Atendimento de Urgência do Hospital João Penido completa nove anos de portas fechadas
Edital para escolha de uma organização social que administre o equipamento não teve nenhuma proposta aprovada
Há nove anos, toda vez que alguém da região Nordeste de Juiz de Fora precisa de atendimento de urgência tem que se deslocar para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em outra região, como a Sul, Cidade Alta ou Norte. Esse trajeto pode tomar um tempo precioso para quem luta pela vida. Isso acontece porque, desde 2014, o serviço de Urgência e Emergência do Hospital Regional João Penido, que é o ambulatório de referência para região, está de portas fechadas.
A situação, que se prolonga por quase uma década, já foi motivo de protestos, mobilizações e rendeu inúmeras reuniões entre os moradores e as autoridades responsáveis pela gestão da unidade de saúde. Atualmente é a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) que administra o espaço, mas a tendência é que ele passe para as mãos de uma organização social (OS).
No entanto, o edital de contratação da OS, que foi aberto pela primeira vez em dezembro de 2021, foi encerrado sem nenhuma proposta aprovada, adiando ainda mais o retorno do atendimento de urgência no Hospital João Penido. Conforme a Fhemig, com a gestão da OS, são esperados, dentre outros avanços, a reabertura do pronto atendimento e o aumento da internação hospitalar em até 105%.
Nada disso, no entanto, tem horizonte para acontecer, visto que, até agora, nenhum outro edital foi publicado. Em nota enviada à Tribuna, a Fundação ressalta que busca a parceria com uma OS para promover a “ampliação da qualidade e a eficiência na prestação dos serviços públicos ofertados diretamente à sociedade”. Ela garante que a alteração se dará apenas no modelo de gestão dos serviços, mas o papel da Fhemig frente à contratualização de serviços com o gestor municipal ou frente aos demais prestadores de serviços SUS não vai mudar.
Proponentes desclassificadas
O edital para contratação de gestão foi retificado e relançado em junho de 2022. Antes disso, ele havia sido cancelado por recomendação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Quanto ao lançamento do segundo edital, a Fhemig afirmou que o novo documento foi aprimorado e passou por adequações sugeridas pelo MPMG e pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB).
No entanto, apesar disso, em novembro de 2022, foi publicado no Diário Oficial do Estado o encerramento do processo sem que nenhuma empresa fosse selecionada. Conforme a publicação, o resultado “concluiu pela desclassificação de todas as proponentes, não havendo entidade vencedora no certame”.
O documento previa repasse de R$ 103.356.383,17 pela Fhemig à entidade contratada para fazer a gestão do hospital. Após a abertura do Pronto Atendimento Geral, seria acrescido o valor de R$ 100 mil mensais, totalizando R$ 1,8 milhão para o período de 18 meses, correspondente ao contrato. A vigência seria de 24 meses, podendo ser renovada até 20 anos.
Falta de diálogo com a população
Laurindo Rodrigues é um dos integrantes da comissão de moradores formada para discutir a ausência de unidade de saúde na Região Nordeste. Segundo ele, não há diálogo entre as autoridades e a população acerca do andamento do edital, ou do futuro do atendimento de porta no Hospital João Penido. Ele, inclusive, não tinha conhecimento de que o processo havia sido encerrado sem que nenhuma proposta fosse aceita.
A possível transferência da gestão do Hospital Regional João Penido para uma OS já foi questionada diversas vezes. O próprio Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde) deixa claro a oposição ao projeto, que compara a uma terceirização ou privatização do sistema de saúde. Como representante da comunidade, Laurindo afirma que sua luta se resume ao retorno do pronto atendimento, seja qual for a administração. “Já fizemos tudo o que podíamos como comunidade, reunião com os prefeitos, audiências públicas, reunião com o Conselho Municipal de Saúde. Não sabemos mais a quem recorrer.”
O fechamento da porta de urgência do hospital, localizado no Bairro Grama, afetou a população da região Nordeste, estimada em pelo menos 80 mil pessoas. De acordo com Laurindo, a situação fica ainda mais complicada durante fins de semana e feriados, dias no qual as Unidades Básicas de Saúde (UBS) não funcionam. “Fora isso, a falta da emergência no Hospital Regional João Penido acaba sobrecarregando as UBSs. Como a de Grama, por exemplo, que hoje atende mais de seis bairros da região.”
Sind-Saúde faz oposição ao modelo de OS
Uma OS, conforme a Fhemig, é “uma qualificação concedida pelo Estado de Minas Gerais a associações e fundações sem fins lucrativos, de natureza privada. Tal qualificação habilita essas entidades a celebrarem contrato de gestão com o Estado para atuarem na execução de políticas públicas, com o objetivo de melhorar os serviços oferecidos à sociedade.”
O Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Estado de Minas Gerais é contra essa transferência. Conforme a diretora regional da entidade em Juiz de Fora, Lenir Romani, o sindicato acompanha há vários anos a abertura do atendimento de porta do Hospital Regional João Penido. “O posicionamento do Sind-Saúde MG sempre foi contra qualquer tipo de privatização, terceirização e inclusive a implementação de OS no serviço público de saúde em Minas Gerais, pois sabemos a precariedade e os resultados nocivos aos trabalhadores e à população, assim como na assistência da rede SUS em geral, com risco de comprometer a integralidade das políticas públicas.”
Lenir aponta que a falta de recursos, mão de obra, estrutura e insumos “não deveriam se sobrepor às necessidades assistenciais da população”. “Já tivemos vários encaminhamentos com representantes parlamentares, a diretora do Sindicato, secretários de saúde, gestores, entre outros. O assunto deveria ser tratado de forma assistencial, tendo em vista quem está necessitando de atendimento e tem que atravessar a cidade para ser assistido. A reabertura da porta do Hospital Regional João Penido merece uma atenção do Poder Público e seus representantes de forma urgente.”
Sobre a falta de diálogo, a Fhemig afirmou, em nota, que “todos os documentos e procedimentos do processo de seleção pública referente ao Edital Fhemig para Contrato de Gestão nº 01/2022 estão disponíveis no site da Fhemig. Os atos de abertura, julgamento e encerramento foram publicados no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais. A tramitação do processo seletivo público ocorreu de forma impessoal e transparente. Os critérios de seleção foram objetivos e baseados na qualificação e experiência das Organizações Sociais.” A entidade ainda ressaltou que o Pronto Atendimento do Hospital Regional João Penido foi fechado em 2014, pela inviabilidade de dar continuidade ao serviço, com aprovação do gestor municipal. “A definição do escopo assistencial da unidade é realizada em conjunto com as instâncias territoriais do SUS, conforme os preceitos da Rede de Atenção à Saúde.”