Famílias enfrentam desafios para ter acesso a educação inclusiva em Juiz de Fora
Tribuna entrevistou mães e profissionais que relataram os desafios na educação especial, como a falta de apoio e capacitações
Professores que questionam diagnósticos; outros sobrecarregados com muitas crianças com necessidades educativas especiais; escolas que recusam estudantes com autismo, que não aceitam acompanhamento terapêutico, ou capacitações voltadas à educação inclusiva para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Esse panorama ainda é realidade para muitas famílias que lutam pela inclusão dos filhos em Juiz de Fora. Foi o que relataram Caroline Sixel Rodrigues, mãe de Vinícius, 9 anos, diagnosticado com TEA nível de suporte 2; e Renata Barbosa, mãe de Yan, 7, TEA nível suporte 1.
Renata contou que, na escola, uma instituição municipal, seu filho fica isolado, pois o professor fica sobrecarregado e o atendimento terapêutico é vedado. “Já aconteceu de chegar na escola e ver o meu filho em crise, e todo mundo conversando como se ele não estivesse ali. Cheguei e tive que intervir e regular as emoções do Yan para podermos sair dali. Falta muito treinamento e as portas das escolas municipais e estaduais estão muito fechadas”. Ela também contou que uma vez o menino saiu da instituição de ensino sozinho, o que a fez registrar um boletim de ocorrência e tentar mudá-lo de colégio depois de encontrado, mas que não conseguiu fazer a matrícula. “Por vezes, você liga e informam que tem vaga, mas quando fala que a criança é autista essa vaga simplesmente some”, diz.
Apesar das dificuldades em algumas instituições, Yan aprendeu a falar sete idiomas sozinho: português, inglês, russo, espanhol, georgiano, fisciano (língua de uma comuna na Itália), urdu (idioma do Paquistão), e agora está aprendendo árabe e japonês. Entretanto, muitas mães relatam problemas com as altas habilidades e o autodidatismo dos filhos nas escolas, como Caroline, que recebeu a recomendação de retirar seu Vinicius da creche particular, porque não estavam mais conseguindo ‘trabalhar’ com ele.
Em nota, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) informa que a rede estadual pública de ensino atua de acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e com a Lei Brasileira de Inclusão. “Considerando o direito de acesso de estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação às instituições escolares e ao currículo, a permanência, ao percurso escolar e a uma escolarização de qualidade, a SEE/MG oferta os atendimentos educacionais especializados (AEE)”.
Além disso, afirmam no texto que a rede é estruturada com cerca de 1.480 salas de recursos multifuncionais, destinadas aos estudantes, público da educação especial nas escolas regulares. Também comunicaram que disponibilizam outros serviços por meio dos professores de Apoio à Comunicação, Linguagem e Tecnologias Assistivas (ACLTA), dos Tradutores Intérpretes de Libras (TILS) e dos Guia Intérpretes.
O que diz a PJF
Em nota enviada à Tribuna, a Secretaria de Educação da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que possui atualmente 1.073 educadores que exercem a função de professor de apoio (PDA) nas escolas municipais. Segundo a pasta municipal, são profissionais que atuam nas salas de aula junto aos estudantes com deficiência ou não que se enquadram nas demandas previstas pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Além disso, o Projeto de Lei que dispõe sobre o profissional de apoio para estudantes com deficiência na Rede Municipal de Ensino (PDA) foi regulamentado no começo de julho por meio da Lei 14.960/2024, para assegurar mais inclusão.
“A Secretaria de Educação oferece a formação inicial de 30 horas e formação continuada de 60 horas anualmente para todos os profissionais que atuam como Professor de Apoio. Aos professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e profissionais dos Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE) são ofertadas formação continuada, garantindo enquanto política municipal, de forma inédita, a implementação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI). Esse ano também foi instituído o NUPEI/SE- Núcleo Permanente de Educação Inclusiva, composto por vários atores como UFJF, MP, CMDPD, Sinpro, OAB, e outros”, acrescentou em nota.
Educação especial no Brasil
Até pouco tempo não havia na escola um profissional dedicado a acompanhar um estudante específico com necessidade, por exemplo as crianças e jovens com TEA e TDAH. Mais recentemente, isso foi mudando enquanto o Brasil começou a adotar uma perspectiva inclusiva na educação especial em escolas, principalmente com a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas (ONU), e com a criação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, em 2008.
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de nº 13.146/2015, afirma que o poder público tem a responsabilidade de ofertar, treinar e acompanhar os profissionais de apoio escolar em instituições de ensino públicas e privadas. Contudo, a regulamentação da profissão ainda não tem uma diretriz nacional, o que faz esse papel ser desempenhado por diversos públicos, incluindo auxiliares de sala, estagiários de pedagogia e psicologia, professores com ou sem habilitação em educação especial e, em muitos casos, os próprios familiares. A falta de formação específica destes profissionais impacta diretamente na qualidade do trabalho desenvolvido pelos professores e na geração de oportunidades de aprendizagem para os estudantes para garantir a acessibilidade.
Para atuar como professor de apoio à comunicação, linguagem e tecnologias assistivas, o profissional precisa comprovar formação especializada em educação especial, segundo informa em nota o SEE/MG. Além disso, existem os Centros de Referência em Educação Especial Inclusiva (CREI), com os Centros de Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual (CAP) e com os Centros de Capacitação dos Profissionais da Educação e Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS).
Casa Ninho atua com capacitação
Uma das instituições em Juiz de Fora que promove um espaço de acolhimento às crianças e adolescentes com transtornos do desenvolvimento e capacitação para profissionais em educação especial é a Casa Ninho, localizada no bairro Santa Catarina. Idealizada por Ludmilla Teixeira Bittar, juntamente com outros dois sócios, eles começaram a realizar os atendimentos em 2022, oferecendo serviços fonoaudiólogos, musicoterapeuta, fisioterapeuta, terapia e psicoterapia. Além disso, eles ajudam a capacitar pessoas no acompanhamento terapêutico, como os estudantes de psicologia Dora Alves, 34, e Arthur de Souza Ríspoli, 21, promovendo cursos em educação especial e treinamento.
A base do trabalho de um acompanhante terapêutico é utilizar princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) em contextos cotidianos do cliente, isto é, locais fora da clínica. Contudo, um dos desafios do método é o engajamento com a escola, um dos pilares primordiais do ambiente de cada indivíduo, visto que muitas recusam a entrada do profissional para auxiliar os alunos com necessidades educativas especiais.
“A importância dos profissionais de apoio reside no fato de que crianças com neurodesenvolvimento atípico aprendem de maneiras diferentes em comparação às crianças com desenvolvimento típico. Esses alunos necessitam de um suporte diferenciado em sala de aula para que possam se beneficiar do princípio de equidade”, diz Dora. Para a atendente terapêutica, um profissional capacitado para atender a esse público específico é essencial para ajudar essas crianças a desenvolverem suas habilidades e alcançarem progressos significativos tanto no âmbito comportamental quanto no desempenho acadêmico.
*Estagiária sob orientação da editora Júlia Pessôa