‘Eu vejo a ansiedade como mais uma concorrente’: estudantes encaram pressão do vestibular na reta final do Enem
Psicóloga dá dicas para focar no momento presente e não deixar a ansiedade atrapalhar no desempenho da prova
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que terá a primeira etapa aplicada neste domingo (3), é encarado por muitos como um verdadeiro divisor de águas na vida. Com tanta expectativa, é normal sentir um frio na barriga, além de incertezas e inseguranças. Por isso, mais que dominar o conteúdo cobrado, é preciso saber lidar com a pressão para garantir um bom resultado.
Essa expectativa afeta cada aluno de maneira única e está diretamente ligada ao peso que cada um atribui ao vestibular. Pedro Henrique Pinheiro, de 31 anos, vai enfrentar o Enem pela quinta vez. Ele já passou pelas faculdades de Engenharia e Letras, mas, durante a graduação, percebeu que não era esse o seu verdadeiro sonho. Agora, ele está se preparando para disputar uma das carreiras mais concorridas do país: Medicina.
“Estou encarando o Enem de uma forma completamente diferente das outras vezes. Agora, consigo entender realmente a pressão e a expectativa que as pessoas colocam na prova”, afirma. Para ele, a ansiedade é uma companheira difícil de se livrar, mas sua experiência de vida tem sido uma aliada nesse desafio. “Já fui alguém que deixou a ansiedade me atrapalhar em várias áreas da vida. Hoje, vejo a ansiedade em relação à prova como uma concorrente. É apenas mais uma barreira que preciso superar, mas não vou deixar que ela determine meu desempenho.”
Para se preparar, Pedro contou com a ajuda dos professores do Cursinho Garra, projeto de extensão da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Conforme conta, não foi fácil conciliar trabalho e estudo, mas a dedicação e o incentivo dos integrantes do projeto foram um diferencial. “Já tive experiências em outros pré-vestibulares e nenhum deles tratou o Enem de uma forma humana como o Garra tratou.” A convivência com os alunos também foi uma troca que ele valoriza. “Fiz amigos que são dez anos mais novos que eu. Até mesmo nas conversas que eu tinha com eles, eu tentava amenizar um pouco essa ansiedade, que é muito comum nos adolescentes. Com a minha experiência, eu mostrava para eles que aquela prova não é tão decisiva assim, se não der esse ano, tem ano que vem e assim por diante.”
Conhecendo a prova
O estudante Miguel Coelho, de 16 anos, terá seu primeiro contato com um vestibular neste domingo (3). Embora ainda esteja no 1º ano do ensino médio, ele decidiu fazer a prova como um teste. Para Miguel, a experiência vai permitir que ele se familiarize com o formato da prova em um ambiente mais tranquilo, sem a pressão de precisar obter uma nota para ser aprovado em uma faculdade.
“Acredito que, independente do ano em que eu estiver, existe uma certa pressão. Então, na minha opinião, o quanto antes eu fizer a prova, mais tempo vou ter para processar essa ansiedade antes do 3º ano, que é quando vou prestar o vestibular de verdade, com o objetivo de entrar em uma universidade pública”, conta.
Para Miguel, que pensa em fazer Ciências da Computação da UFJF, ter contato com o Enem neste momento também será um auxílio para se preparar para o Programa de Ingresso Seletivo Misto da Federal de Juiz de Fora (PISM). “Vai ser bom para eu ter alguma experiência antes de prestar o vestibular para a UFJF no final deste ano, que será uma prova que realmente vai estar valendo.”
Ansiedade é natural, mas deve ser controlada
A ansiedade é um mecanismo natural e evolutivo do corpo humano, é o que explica a psicóloga e coordenadora do Curso de Psicologia da Estácio, Juliana Gomes. “Se algo me gera algum tipo de perigo, é a ansiedade que vai ativar no meu corpo um mecanismo que a gente chama de mecanismo de luta ou fuga”, explica. Prejudicial é quando a ansiedade extrapola a naturalidade e gera algum tipo de dano. “Eu posso ter respostas de medo, respostas de aceleração do batimento cardíaco, descontrole da minha respiração e sensação de falta de controle, mesmo em situações que naturalmente não exigem isso.”
A psicóloga explica que, como um mecanismo de alerta, a ansiedade pode aumentar, mesmo em estudantes que não apresentam um quadro clínico. “Atribuímos um valor subjetivo enorme ao Enem. A prova representa a oportunidade de escolher nossa profissão, o que, de certa forma, molda nosso futuro. Quando começamos a nos preocupar com pensamentos como ‘e se eu não conseguir?’, ‘e se estiver muito difícil?’ ou ‘e se der algum problema?’, podemos entrar em um ciclo de pensamentos catastróficos, levando a crer que, se não tirarmos uma boa nota, nunca seremos ninguém na vida. Continuar alimentando esse tipo de pensamento pode resultar em um quadro de ansiedade patológica.”
Concentre-se e respire
Segundo Juliana, as duas principais estratégias para controlar a ansiedade quando ela foge do controle são respirar fundo e se concentrar no momento presente. “Começou a viajar nos pensamentos, descolando eles para o futuro, faça uma parada. Pare esse pensamento. Essa técnica de parada de pensamento vai fazer com que você se sacuda um pouquinho e volte para o momento presente. Eu estou fazendo o que agora? Estou sentado na minha cadeira, segurando o meu lápis, diante da minha prova. Nesse momento faça a segunda parte da estratégia, respirar fundo sem prender a respiração.”
Outra dica é evitar a comparação com outros estudantes. Além de ser danosa, ela não leva em consideração o contexto de cada pessoa. “Não importa se você estudou 8 horas por dia, ou se conseguiu estudar 2h, porque teve que conciliar o estudo com o trabalho. Foque naquilo que você fez. Eu fiz o meu melhor. Eu não estou aqui me comparando com ninguém. Eu não devia ter feito mais. Eu não devia ter estudado mais. Eu fiz aquilo que era possível na minha realidade.”
Universidade para todos
Um dos principais motivos de ansiedade antes de uma prova de vestibular é o medo de não atingir a pontuação necessária para ingressar em uma faculdade pública. Principalmente quando se sabe que a preparação para aquele momento não é igualitária entre todos os estudantes. Enquanto alguns podem se dedicar exclusivamente aos estudos e contam com o apoio de escolas e cursos pré-vestibulares, outros precisam equilibrar trabalho, responsabilidades domésticas ou já estão afastados da sala de aula há algum tempo.
Com o objetivo de minimizar essa desigualdade, a política de cotas visa a aumentar as oportunidades para que alunos da rede pública ingressem em faculdades federais ou estaduais, é o que explica a Pró-Reitora de Graduação e professora da Faculdade de Educação da UFJF (Faced), Katiúscia Antunes. “Dentro da própria rede pública de ensino nós temos desigualdades, temos escolas que são da rede federal, colégios que possuem uma formação que oferece mais oportunidades, e temos os estudantes da rede estadual, que representam a maior parte dos estudantes da rede pública.”
A professora cita dados do último Censo da Educação Superior, que mostrou que, em escolas estaduais, 21% dos alunos concluem o ensino médio e ingressam diretamente na faculdade. Na rede privada esse percentual é de 59% e nas escolas federais, 58%. “O problema da desigualdade existe na base da sociedade e as políticas afirmativas têm o objetivo de minimizar isso, mas a gente sabe das dificuldades que muitas escolas públicas apresentam no Brasil.”
Segundo Katiúscia, ao contrário da rede privada, onde as aprovações do Enem são parte das estratégias de marketing das escolas, a rede pública de ensino prioriza a formação dos alunos para o ensino superior, mas não se limita a isso. “É fundamental promover um trabalho de incentivo na rede pública, para que os estudantes enxerguem o ensino superior como uma possibilidade real para eles.”
De olho nas reclassificações
É importante lembrar que a nota do Enem não é o fim da jornada. O Sistema de Seleção Unificada (Sisu) oferece reclassificações e até uma segunda chamada no meio do ano. Na UFJF, especificamente, o Pism é outra porta de entrada para os estudantes que desejam ingressar na instituição. Conforme explica Katiúscia, 50% das vagas na UFJF são reservadas ao Pism. “O aluno pode concorrer pelo Pism e pelo Sisu. E com isso acaba tendo uma chance adicional.”
Além disso, é fundamental acompanhar as listas de classificação, tanto do Sisu quanto do Pism. “Como o Sisu é nacional, a mobilidade dos estudantes é maior, resultando em listas de classificação e chamadas mais extensas. No entanto, é importante seguir todas as listas até o fim. Muitos alunos apenas verificam a primeira chamada e perdem a esperança ao não encontrarem seus nomes. Em Juiz de Fora, notamos que alguns estudantes não realizam a pré-matrícula e acabam perdendo a vaga por esquecimento”, alerta.