Pico Cabeça de Formiga ou Pico da Grota: qual o ponto mais alto de Juiz de Fora?
Atividades de lazer em conexão com a natureza têm chamado atenção da população como forma de turismo na própria cidade; trilhas são uma das principais alternativas
O ponto mais alto de uma localidade é carregado de simbolismo. Para além de um espaço de contemplação com belas paisagens, os povos originários consideram o cume como um lugar sagrado. Cercada por montanhas, com uma extensão territorial de 1.435,749 km² – conforme o Censo 2022, Juiz de Fora conta com dois locais que disputam o título de ponto mais alto da cidade: o Pico Cabeça de Formiga e o Pico da Grota. Com o aumento do interesse pelo turismo de natureza, as trilhas de acesso a esses locais passaram a ser uma alternativa de lazer dentro da própria cidade. Pensando em mostrar mais desses atrativos, a Tribuna entrevistou um especialista que desvendou a questão sobre a maior montanha, conversou com os responsáveis pelas propriedades e conheceu um dos picos.
Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Pico Cabeça de Formiga tem cerca de 1.085 metros de altitude, já o Pico da Grota possui quase 1.083 metros de altitude. No entanto, há outro fator que determina qual é o ponto mais alto de Juiz de Fora para além da altitude. De acordo com o professor do Departamento de Geociências do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Roberto Marques Neto, a delimitação territorial desempata essa disputa, sendo assim o Pico da Grota é o mais alto inteiramente contido no municipio, já que o Pico Cabeça de Formiga fica localizado nos limites entre Juiz de Fora e Lima Duarte.
“Ambos apresentam valor ambiental significativo, aportando nascentes que demandam importantes cursos d’águas que dissecam o território municipal e partilhando de corredores ecológicos potenciais. Ainda apresentam valor econômico, sendo espacialidades potenciais para turismo em áreas naturais, podendo ser incluídos em roteiros turísticos locais e regionais”, destaca o geógrafo.
Conheça a história e atrativos dos picos:
Pico Cabeça de Formiga
No caminho pela BR-267, antes de chegar à Serra da Saudade, próximo ao distrito de Valadares, já é possível avistar o Pico Cabeça de Formiga. A paisagem por si só logo chama atenção, mas toda a história que o lugar guarda torna o passeio ainda mais interessante. Antes de se tornar um ponto turístico, o pico era tido como um monumento místico para os povos originários que viviam naquela região. É o que conta Wagner Canabrava Paiva, de 62 anos, responsável pela administração do cume, que pertence à propriedade de sua família desde 1814. Um certo dia, ele encontrou uma tigela e a partir daí pesquisadores descobriram um sítio arqueológico, de 600 anos atrás, nas terras da família Paiva. Sítio arqueológico é um local onde se encontram vestígios de ocupação humana e essas evidências de atividades do passado histórico são preservadas. No caso do Pico Cabeça de Formiga, foram encontradas lança, machadinha e tigela de uma tribo indígena.
“Nós achamos várias ferramentas usadas pelos indígenas, só não encontramos o cemitério deles. Mas conversando com os arqueólogos, eles disseram que a área em que procuramos, no pé da Serra da Saudade, era alagada antigamente, portanto, se tratava de uma área de caça. Por isso, provavelmente o cemitério ficava localizado no pico, por ser um local mais mítico e sagrado”, comenta Paiva.
A família já está na sexta geração e Wagner faz questão de passar para seus filhos as histórias que seu avô Emílio contava. Entre esses contos que acompanham a mitologia do lugar existe o da Água Santa. De acordo com ele, no entorno do pico, na lateral esquerda da Serra da Saudade, existe uma espécie de gruta em que seu avô e outras pessoas que lá viviam construíram um espaço de pedra com água, pois tinham dificuldades com a plantação no período de seca. Conforme a lenda, desde esse dia a água nunca secou. “Várias pessoas falam que já testemunharam milagres na Água Santa. Um fazendeiro, o Joberto, que mora desde 1970 na região, me contou, com lágrimas nos olhos, que uma jovem voltou a enxergar depois de visitar a gruta.”
Há grandes chances de você já ter se deparado com a vista do nascer do sol no Pico Cabeça de Formiga através das redes sociais. Desde a pandemia, o local, que antes era frequentado mais pela família de Wagner ou por nômades que por ali transitavam, passou a ficar mais conhecido e hoje recebe cerca de 400 visitantes por dia aos sábados e domingos. Wagner já administrava a Pousada e Restaurante Rancho Canabrava, que fica na Serra da Saudade também, e decidiu começar a gerenciar as visitas ao pico. Com o apoio da esposa Vivian Oliveira Fernandes, de 49 anos, e de seus filhos, eles arrumaram a trilha que dá acesso ao cume. “Vêm pessoas de Rio Pomba, Ubá, Rio de Janeiro e até de outros países.”
A equipe de reportagem da Tribuna visitou, na semana passada, o Pico Cabeça de Formiga e viveu a experiência de ver o pôr do sol, por volta das 17h30, em cima do cume. A paisagem faz valer cada passo. A mistura das cores azul, laranja e vermelho no céu se encaixa perfeitamente com os mares de morros. Com o passar do tempo, o sol se despede e dá lugar às luzes das cidades de Juiz de Fora, Lima Duarte, e até a cadeia de montanhas da Serra dos Órgãos, colocando em evidência a delicadeza do fim de mais um dia. Para subir os 1.500 metros são cerca de 40 minutos de caminhada, um trajeto relativamente curto, com nível médio de dificuldade.
Além do nascer e do pôr do sol, atualmente o pico conta com diferentes atividades, como rapel, cavalgada, voo de parapente, acampamento, trilha e cachoeira. A portaria do pico fica aberta a partir das 4h30 aos sábados, domingos e feriados, nos outros dias e no pôr do sol é preciso agendar a visita com o Wagner. Para realizar a trilha é cobrado o valor de R$ 15,00, além de ser necessário seguir as recomendações para preservar o local, como a proibição de fogueira e lixo ao longo do caminho.
Cresci debaixo desse pico, ouvindo as histórias sobre ele, então ele acaba fazendo parte da gente. Minha intenção ao abrir a visitação para as pessoas é valorizar o local, contar a nossa história, preservar a memória desta terra, onde foi criado meu avô e toda a minha família, por muito mais tempo
Pico da Grota
Localizado na Fazenda de Jorge Quirino de Souza, na estrada para Torreões, o Pico da Grota foi mapeado pelo IBGE em 1951. O nome tem relação com o relevo ao redor do cume, que forma uma grota antes da maior elevação. Ao longo do caminho até o pico, é possível ver uma rica fauna e flora, rodeada por espécies nativas e até árvores centenárias, como a Piúna. Há quase 80 anos, a propriedade está na família de José Márcio Faier, 46 anos. Ele conta que seu falecido avô, Jorge Quirino de Souza, pagou por essas terras por meio do trabalho com a ajuda da esposa, Dona Luzia Lopes de Souza, que cozinhava para os empregados que ele contratou para trabalhos rurais.
Muitas histórias, casos e causos da serra do Pico da Grota são contadas pelos seus mais antigos moradores. Uma delas é sobre o fenômeno conhecido como “Mãe de Ouro”. José Marcolino do Santos, chamado de Zé dos Santos pela vizinhança, conta que, há muitos anos, enquanto caçava durante a noite com seu amigo Luiz do Cachimbo, avistou grandes bolas de fogo que surgiam do chão e subiam a serra. Os cachorros se reuniram assustados ao seu redor e ficaram todos olhando aquele fenômeno sem explicação. Sem querer entender muito do ocorrido, a dupla rapidamente juntou seus pertences e desistiu da caça.
Atualmente, o Pico não está aberto para visitação. Segundo o proprietário, a vegetação cobriu as trilhas e somente pessoas com preparo e conhecimento do local conseguem acessar. No entanto, quem tiver interesse em visitar, pode enviar um email para [email protected], que será avaliado as condições e possibilidade de acesso no momento.