Como o compartilhamento de fotos dos filhos nas redes sociais pode prejudicá-los?

Pesquisa brasileira aponta que a prática pode afetar a privacidade, segurança digital, saúde mental e a dinâmica familiar dos filhos


Por Tribuna

08/07/2025 às 11h37

pixabay foto crianca
Compartilhar foto dos filhos nas redes sociais pode gerar impactos como exposição precoce (Foto: Pixabay)

O hábito de pais e responsáveis compartilharem fotos e vídeos de seus filhos nas redes sociais, conhecido como “sharenting”, levanta sérias preocupações éticas, emocionais e legais. Uma revisão de literatura conduzida por pesquisadores da UniCesumar, no Paraná, e publicada na revista Bioética, analisou 73 artigos entre 2016 e 2023, revelando um cenário preocupante sobre os impactos da exposição precoce no desenvolvimento infantil.

Os pesquisadores organizaram esses impactos em quatro eixos principais: privacidade e segurança digital; implicações psicológicas e culturais; dinâmicas sociais e familiares; e resposta societal e legal. O estudo ressalta que a privacidade da criança é ameaçada desde o nascimento, com a criação de uma identidade digital que pode ser permanente, mesmo que os pais se arrependam e apaguem o conteúdo posteriormente. Dados como data de nascimento e condições médicas podem ser expostos, criando um rastro digital duradouro.

Impactos na saúde mental e dinâmica familiar

É comum que crianças e adolescentes relatem constrangimento e desconforto com postagens feitas por seus pais. Sentimentos de frustração, vergonha e a percepção de incapacidade de mudar a situação são frequentes. A autoestima é impactada pela publicação de fotos ou eventos considerados negativos, o que pode levar a situações de bullying e constrangimento. A exposição precoce também cria uma identidade online que nem sempre corresponde à realidade ou aos desejos da criança, como explica Lucas França Garcia, sociólogo e orientador do estudo, e Sophia Ivantes Rodrigues, estudante de psicologia e autora.

A psicóloga Ana Lúcia Karasin, do Espaço Einstein de Saúde Mental, alerta que a exposição digital precoce pode interferir na construção da identidade, no senso de privacidade e na percepção de segurança emocional dos filhos. Já a psicóloga Bianca Batista Dalmaso, também do Einstein, aponta para o contraste entre os benefícios percebidos pelos pais (como apoio emocional e validação) e os riscos invisíveis aos filhos, que podem ter seu desenvolvimento socioemocional afetado.

A pesquisa brasileira também indica que o “sharenting” impacta a dinâmica familiar. Conflitos entre pais e filhos, e até entre avós e pais (no “grand-sharenting”), podem surgir. Pedidos dos filhos para remover conteúdo não atendidos podem abalar a confiança familiar, e a tentativa dos filhos de educar os pais digitalmente frequentemente encontra resistência. Segundo Ana Lúcia Karasin, a exposição da criança nas redes sociais muitas vezes revela mais sobre as necessidades emocionais dos pais – como busca por afirmação pessoal ou validação social – do que sobre os próprios filhos. Crianças com condições médicas ou transtornos mentais estão ainda mais vulneráveis, pois suas identidades online podem ficar atreladas à sua condição, comprometendo sua autonomia futura.

Como evitar e o cenário legal

Para evitar os impactos negativos, especialistas sugerem que os pais reflitam sobre suas motivações antes de postar. Perguntas como “Essa publicação respeita a individualidade do meu filho ou revela mais sobre minhas próprias carências?” são importantes. É crucial lembrar que as postagens na internet são permanentes, e imagens e informações podem ser resgatadas em diversos contextos, com consequências emocionais e sociais duradouras. A psicóloga Bianca Dalmaso sugere um exercício de empatia: “Se essa postagem fosse sobre mim, eu me sentiria confortável ou exposto?”.

Do ponto de vista jurídico, o “sharenting” ainda é um desafio. Embora haja avanços em outros países – como na França, onde filhos podem processar pais por postagens antigas, ou na União Europeia, que garante o “direito ao esquecimento” –, no Brasil, apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) oferecer diretrizes, falta uma regulamentação específica. O estudo brasileiro enfatiza a urgência de políticas públicas e ações educativas para promover o uso consciente das redes sociais por pais e cuidadores, destacando que a educação digital é essencial para reduzir a prática e seus danos.

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