Conheça as histórias do Bairro Bandeirantes
Moradores contam como é morar no bairro, que, ao contrário da maioria, não serve de passagem
Quem está passando pelo Bandeirantes, só pode mesmo estar indo para lá. “É o destino final”, afirmam os trocadores, quando alguém pede informação sobre a linha. O bairro não é passagem para nenhum outro, e, praticamente, só conta com uma entrada, a partir do posto de combustível, de modo que quase todos que chegam foram mesmo pra ficar. Décadas atrás, na região nordeste de Juiz de Fora, era nesse mesmo ponto que as pessoas desciam dos ônibus e iam a pé, na estrada de terra, para suas casas – atualmente, no entanto, as linhas chegam a outras partes do bairro. Muitas famílias chegaram por esses pontos e fincaram raízes, fazendo casas em que moram até hoje e nas quais seus filhos também passaram a habitar. Mesmo com os avanços, algo desse começo se manteve, principalmente por meio da praça e da igreja, que parecem formar sozinhas o centro de uma cidade interiorana, e que se constituíram de fato como o coração do bairro. Nesse espaço, quem está desde o começo da história da comunidade encontra também os novos moradores, que chegam junto com os loteamentos e os novos condomínios.
Acompanhar todas essas etapas do bairro faz parte da vida de Liliane Gonzaga, que tem uma ligação especial com o local devido ao bloco carnavalesco Irmãos Metralha, que começou a funcionar em 2019. O Bandeirantes é seu lar há mais de 40 anos, já que seus pais foram pra lá construir casa, e ela e os irmãos ficaram no terreno. “Você logo vê a praça, igreja, e tudo gira em torno dali, sejam os encontros noturnos, a brincadeira das crianças ou mesmo o reduto da Raça, do Flamengo”, conta. O bloco, para ela, se tornou mais uma forma de acesso à cultura no local, que já tem uma tradição com o samba e o pagode, por meio inclusive de carnavalescos importantes para a cidade. Uma das suas preocupações, como rainha da bateria, é recuperar a história do bairro para inspirar quem está chegando. “Fizemos uma pesquisa sobre a festa dos gigantes, super tradicional, e descobrimos que ela surgiu por conta do time Madureira, que era muito bom e daqui. Descobrimos inclusive que muitas pessoas do bairro são descendentes desses jogadores”, conta. Quando o bloco saiu, ela se empolgou ao perceber que o escudo estava sendo reconhecido por muitos.
Já a família de Gueminho Bernardes, os ‘Tristão’ não “escolheu” o Bandeirantes para morar. O Bandeirantes é que foi surgindo onde eles já moravam, na antiga fazenda da Tapera, que abrangia praticamente toda a região nordeste. “A sede da fazenda era embaixo do cemitério Parque da Saudade. Hoje é uma casa que está caindo aos pedaços, mas ela foi a primeira casa construída com telhado na região em que mais tarde se instalou Juiz de Fora”, conta, sobre a construção que remete a 1711. Existiu uma segunda sede dessa mesma fazenda que ficava no Bandeirantes, e que foi construída no início do século XX. “Era a casa do meu avô, o Tonico Tristão, que dá nome à rua Antônio Tristão”, diz.
Sua saudade maior, ao falar do bairro, é desse tempo e das convivências que traziam. “As partes mais marcantes pra mim são aquelas que ficaram na memória. Hoje, é um bairro mais ou menos comum. Tenho saudade do açude que tinha no sítio, em que todo mundo aprendeu a nadar e das árvores de jalão que tinha por lá. Era um tempo em que não havia muitos muros e cercas, então era algo desfrutado por todos do bairro”, diz. O que, pra ele, ainda continua deixando o Bandeirantes com cara de Bandeirantes são os espaços mais coletivos e também os diferenciais que o bairro tem mesmo em relação ao Centro – como “ótimos restaurantes, as melhores pizzarias e uma vida recreativa intensa”.
Vida ao redor da praça
Como Gueminho reforça, parte do isolamento do Bandeirantes em relação ao restante da cidade faz com que os moradores tenham algumas dificuldades de acesso, como a caixas bancários ou correios. Mas é esse fator que também faz com que o bairro fique com um ar “pequeno”, em que todas as pessoas se conhecem. No local, boa parte do comércio surge a partir da praça e da igreja, e também é ali que as famílias se encontram. “A igreja foi construída pela comunidade, meu pai e meu tio trabalharam nela, e ali perto eu criei meus filhos, eles foram batizados lá e depois minha filha se casou lá. São vários vínculos formados a partir disso”, conta Liliane.
Niécio Zé Soares é um exemplo disso: ele abriu o Bar Bandeirantes, que fica bem de frente para a praça, ainda em 1978, quando ele tinha 18 anos. Cresceu próximo a bares e, quando veio para a cidade, logo quis abrir o seu próprio. “Na época havia poucos habitantes, mas o bairro foi crescendo e o bar também”, diz. De acordo com ele, o seu bar foi o terceiro a surgir no bairro, e continua funcionando justamente pela movimentação que fica na praça. Muita gente conhece o local como “Bar da Asinha”, devido ao petisco que ele faz, e Niécio conta que, com os anos, o público também foi se alterando. “O pessoal de bairros adjacentes também gosta de vir aqui pra ficar na praça. Tenho muitos clientes assim, porque sabem que aqui é tranquilo e sossegado”, diz.
Mudanças rápidas
Para Niécio, o bairro ainda é um lugar em que as pessoas se reconhecem, e no qual cada família conhece as outras. Mas a marca do tempo fica clara: entre os moradores, fica a percepção de antigas propriedades sendo destruídas, espaços públicos diminuindo e uma lotação maior do bairro. “Onde hoje é a garagem da viação Santa Luzia, era um brejo enorme, um lugar de aventuras infantis. Íamos pra lá brincar, fazíamos um monte de trapalhadas. O progresso e a especulação imobiliária vão ocupando esses espaços”, diz Gueminho.
Com os novos rostos chegando, a vontade de reforçar a cultura e de prestigiar esses espaços continua entre os moradores. Assim como quem passa por lá, inevitavelmente está indo para o bairro, quem está lá também faz o que pode pelo lugar. “O bairro está crescendo muito, sempre vejo gente falando que vai se mudar para cá ou que está morando aqui agora. A gente acolhe todo mundo e nos ajudamos como podemos”, diz Liliane.