De Juiz de Fora para o Pará: dupla cruza o país de Fusca
Geógrafos partem de Juiz de Fora por uma aventura de cinco dias pelo coração do Brasil
Sair por aí e viajar é o sonho de muitas pessoas, principalmente nesta época de ano. Rever os familiares distantes também é, principalmente durante as festividades que já ficaram para trás, como Natal e Ano Novo. Imagine agora fazer da viagem para sua terra natal uma aventura de Fusca. É o caso dos geógrafos Daniel Pinto, 23 anos, e Albert Souza, 26 , que percorreram mais de 3.500 quilômetros cruzando o país de Juiz de Fora para Belterra, no Pará, na última semana.
Os dois saíram de Juiz de Fora no dia 26, após a formatura de Daniel, que é natural da pacata cidade paraense com pouco mais 17 mil habitantes, e chegaram ao destino final na noite do penúltimo dia do ano (30). A ideia da viagem surgiu em 2014, no início da graduação de Daniel na UFJF. Após colar grau este mês e concluir uma importante etapa de sua trajetória pessoal, o jovem resolveu colocar o sonho em prática, e convidou Albert, seu amigo de faculdade e aluno do mestrado da UFJF, para encarar a jornada.
“Quando fui morar no Sudeste já tinha vontade de um dia retornar para o Norte, e ao longo da faculdade fui amadurecendo a ideia. O Fusca foi adquirido ao longo do curso, e eu não queria deixar para trás. Falei com os familiares que eu iria no carro, senão nem sairia de Juiz de Fora. Em nenhum momento pensei em voltar atrás, a ideia já estava bem construída em minha cabeça”, contou Daniel.
Fafá de Belém
O geógrafo é proprietário de um Fusca branco 1983, versão popularmente conhecida como Fafá de Belém, por causa das grandes lanternas traseiras. Adquirido em 2014, o Humboldt, como é chamado em homenagem ao geógrafo naturalista e explorador Friedrich Wilhelm von Humboldt, é equipado com o clássico motor 1300 à gasolina com carburação simples e possuía poucas modificações da versão original, como o som automotivo.
Entretanto, para a realização da viagem, eram necessárias modificações para que o carro pudesse ter um bom desempenho em diferentes terrenos e em longas distâncias. Daniel contou que as alterações foram feitas ao longo dos últimos três anos para um melhor conforto ao dirigir tanto na cidade como na estrada. As rodas, originalmente com tala de 4,5 polegadas, foram trocadas por outras mais largas, com tala de 5,5 na dianteira e 6 na traseira, todas com pneus 185/65/15. Na parte mecânica, foi colocado um alternador e ignição eletrônica com uma bobina de alta performance. “O carro se comportou superbem por todos os relevos que passamos, pudemos observar paisagens incríveis. Foram poucos problemas ao longo dos cinco dias”, relatou.
Quatro noites
Ao todo, foram feitas 18 paradas, sendo 14 para abastecimento e quatro para pernoitar. Durante as paradas, a dupla aproveitou para atualizar o diário de bordo que fizeram no Instagram com apoio da ExtraVia Turismo Criativo. Entretanto, apesar da tentativa de planejamento, era o dia a dia na estrada que decidia a quantidade de quilômetros a serem percorridos. “Para falar a verdade, o planejamento foi bem desplanejado, não havia nada muito certo. Conforme entrávamos no carro de manhã, estipulávamos uma meta para o dia e tentávamos cumpri-las durante o dia. Se não me engano, apenas um dia não cumprimos a meta”, contou Daniel.
Com uma média que variou de 80 km/h a 100 km/h, o Fusca chegou a registrar um consumo de 14,1 km/l. Em velocidades acima, o consumo chegou a 10 km/l. Ao todo, foram consumidos 326 litros de gasolina, ou seja, mais de 8 tanques cheios do Fusca, de 40 Litros. O gasto total apenas com gasolina foi de R$ 1.418, uma média de R$ 4,34 por litro.
‘Não empurramos o fusca, mas empurramos um caminhão’
Nos mais de 3.500 quilômetros, a dupla de geógrafo foi enfrentar problemas com o veículo nos últimos dias de percurso, como aquecimento da bobina e caixa de fusível queimados. “Uma no trecho do Mato Grosso, em que estava muito quente, paramos para almoçar e esquecemos o carro no sol. Em vez de a bobina resfriar, esquentou mais ainda. Levamos o Fusca para a sombra, colocamos um pano com água e logo voltou ao normal”, relatou Daniel.
Apesar desse problema, o momento de apuros aconteceu na cidade de Moraes de Almeida, no Pará, quando a dupla verificou que os pneus dianteiros estavam no arame. “Não tinha como a gente continuar. A loja de pneu estava fechada, as borracharias também. Uma outra loja só vendia pneu de moto e caminhão. Andamos pelas borracharias, da cidade e na quarta que paramos havia pneus para carro, porém os meia-vida à venda eram de carros maiores. Pensamos um pouco na situação e mandamos colocar”, contou Albert.
Os pneus escolhidos eram 205/75/15, de uma picape Fiat Strada, quase três vezes maior que o 185/65/15 do veículo. Com isso, o carro ficou mais pesado, e o rendimento na velocidade caiu. Assim, a dupla conseguiu concluir os últimos 300 quilômetros do penúltimo dia de viagem e as 11 horas para percorrer a última perna da jornada de 518 km, quando enfrentaram uma pista acidentada, uma forte chuva e pararam inúmeras vezes para apertar o bagageiro de encaixe que soltava com as irregularidades da via.
Carga pesada
Vivenciando na pele as condições precárias das rodovias brasileiras, com muitos buracos e barro, a dupla ficou impressionada com o sofrimento dos trabalhadores que trafegam diariamente na região. Tanto que no último dia de viagem chegaram a auxiliar um caminhoneiro que estava com problemas. “Quem diria, né? Não empurramos o Fusca, mas empurramos um caminhão”, brincou Daniel.
‘Fuscaterapia’ e a vontade de novos desafios
Após caronas, obstáculos e elogios daqueles que encontravam pelo caminho, a viagem foi a realização de um sonho para Daniel, que sempre quis ter um Fusca na garagem de casa e retornou a bordo de um para sua cidade natal. Para ele, o carro representa um livro de história, e andar com o famoso “Beatle” é como uma terapia, que ele chama de “fuscaterapia”. “Como geógrafo, poder ver a diferenciação da paisagem e os costumes e modos de vida de várias localidades, foi muito gratificante e enriquecedor. Já temos planos para outra viagem, um pouco mais longa, porém vai demorar uns dois anos para acontecer, temos que juntar dinheiro para isso.”
Formado e de volta à terra natal, Daniel não deixa Juiz de Fora de lado. “Tenho planos de tentar o mestrado ainda na UFJF, mas ainda não está na hora. Queria experimentar um modo de vida diferente do que estava tendo em Juiz de Fora para ter certeza do que quero. Mas sempre que puder, estarei visitando a cidade.”
Já Albert se prepara para encarar a jornada de volta à Manchester Mineira no próximo dia 16. Ele sairá de Belterra para Belém em uma viagem de barco com previsão de dois dias. Depois, seguirá de ônibus até o Rio de Janeiro (RJ) e, de lá, para a Zona da Mata mineira. E, quando voltar, já tem um plano: a aquisição de um Fusca.