Sujeira exposta e capivara com pneu no pescoço: qual é a situação do Rio Paraibuna?
Baixo percentual do tratamento de esgoto da cidade e descarte incorreto de lixo são os principais problemas que trazem prejuízos à saúde animal, conforme especialistas
É tão comum avistar capivaras nas margens do Rio Paraibuna que o animal, de certa forma, virou um símbolo da cidade. Porém, uma cena que seria usual do dia a dia do juiz-forano chamou atenção e gerou preocupação nas últimas semanas. A imagem de uma capivara com pneu no pescoço circulou nas redes sociais e causou indignação na população, que se mobilizou para tentar ajudar o animal. Até o momento, de acordo com o Corpo de Bombeiros, o mamífero ainda não foi resgatado e continua com o objeto envolto no pescoço, sendo monitorado. A ocorrência e a sujeira exposta no curso d’água- que fica ainda mais visível neste período de seca- remetem a um problema antigo do município: a poluição do Rio Paraibuna, e o que tem sido feito para mudar essa realidade.
O professor André Megali, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e a doutoranda Layla Mayer Fonseca, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF, apontam que a imagem da capivara simboliza a poluição que afeta Paraibuna. “Essa cena revela como os resíduos sólidos descartados de forma inadequada podem impactar diretamente a vida dos animais silvestres. Ver um animal com um pneu preso no pescoço nos lembra que a poluição não é apenas um problema estético ou ambiental distante, mas uma questão urgente que afeta diretamente todos os seres vivos, incluindo as pessoas”, diz a pesquisadora.
Conforme os pesquisadores, a poluição é extremamente prejudicial para a saúde dos animais que vivem na água e nas margens do rio. Resíduos sólidos, como pneus e plásticos, podem causar ferimentos físicos graves nos animais. “No caso específico da capivara com um pneu preso no pescoço, há o risco de estrangulamento, infecções e dificuldades de locomoção”, diz Megali. Acionados para o resgate do animal algumas vezes, o Corpo de Bombeiros informou, em nota, que “Apesar da aparência de sofrimento, a capivara não corre risco de sufocamento. A expectativa é que ela consiga remover a câmara de ar com o tempo.”
Outro grande problema é a contaminação química. Os biólogos explicam que substâncias tóxicas provenientes de esgoto não tratado e dejetos industriais podem intoxicar os animais, causando doenças, problemas na capacidade de reprodução e até a morte, além de reduzir a qualidade da água e as fontes de alimento.
“A presença de poluentes pode alterar o comportamento natural dos animais, fazendo com que evitem certas áreas e resultando em desequilíbrios ecológicos e mudanças nos padrões de migração e reprodução. Em casos mais graves, a poluição pode causar a morte direta de muitos animais, levando até ao desaparecimento de algumas espécies na região. Portanto, é crucial que tomemos medidas eficazes para despoluir e conservar o Rio Paraibuna, garantindo assim a proteção da fauna e flora local e o equilíbrio ecológico da região”, afirma o professor.
Educação ambiental é fundamental para evitar descarte incorreto
Layla Mayer estuda os impactos humanos de atividades econômicas sobre os ambientes aquáticos, principalmente em rios como o Paraibuna. Para ela, o caso acima também reforça a necessidade de investir em conscientização e educação ambiental para a população. A bióloga comenta que os hábitos diários de descarte de lixo podem ter consequências devastadoras para a fauna local, e nem sempre as pessoas têm essa percepção. A consciência ambiental é fundamental para que a população cobre das autoridades medidas públicas para prevenção da poluição, assim como fiscalização de atividades econômicas com potencial impactante.
“A reação da comunidade e a mobilização para ajudar a capivara mostram que há uma preocupação crescente com o meio ambiente, o que é positivo. No entanto, é fundamental que essa preocupação se traduza em ações concretas para reduzir a poluição e proteger a biodiversidade da região”, afirma Layla.
A pesquisa da doutoranda aponta que uma das maiores ameaças são os materiais plásticos, sobretudo os microplásticos. “Pode até parecer, mas isso não é coincidência com o caso do rio Paraibuna! Os rios são ambientes dinâmicos, que geralmente ligam e são margeados por cidades, trazendo água e levando os dejetos. Contudo, nós, seres humanos, estamos usando esses serviços dos rios de forma extrema e, sem cuidado, a grande maioria dos rios está sob grande pressão. Portanto, Paraibuna sofre com o descaso local, mas isso é um problema de escala global”, acrescenta Megali.
Ambientalista aponta necessidade de investimento em desassoreamento
O ambientalista Wilson Acácio, vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna, reforça a preocupação com a quantidade de lixo exposta no pleito do rio. “Pelo menos 48% do esgoto da cidade é jogado nos córregos e no Paraibuna. Juiz de Fora está muito abaixo da média brasileira, que é 56%.” Para Acácio, tão importante quanto o tratamento do esgoto é o serviço de desassoreamento para realizar a limpeza da calha do curso d’água. “É uma ação complicada? É. Complexa? Sim. Mas o rio vai ficar o resto da vida poluído assim? É muito triste ter essa realidade.” De acordo com ele, a cidade precisa investir mais nessa ação.
O representante do Comitê dos Rios Preto e Paraibuna relembra o potencial que o rio tinha em ser um espaço de lazer e esporte para a população. As preparações para o Rio Sena receber competições nas Olimpíadas de Paris 2024 reacenderam o debate sobre despoluição dos cursos d’água e o ambientalista ressalta que, na década de 1930, o Clube de Natação João Noronha funcionava às margens do rio, onde os atletas disputavam até campeonatos. Já na década de 1960, em Chapéu D’Uvas, às margens do seu leito havia uma praia e, aos domingos, o Trem Xangai transportava as pessoas até este balneário.
Cesama informa que cidade trata 40% do esgoto no Rio Paraibuna
Em nota enviada à Tribuna, a Companhia de Saneamento Municipal (Cesama) afirmou que hoje a cidade trata mais de 40% do esgoto no Paraibuna. Segundo a Cesama, o projeto de despoluição do Rio Paraibuna, que existe há mais de dez anos, continua em andamento e, atualmente, conta com uma frente de trabalho na Avenida Brasil. Além disso, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que desenvolve ações de plantio de árvores nas margens do curso d’água, limpeza e roçada periódica. Também é realizado desassoreamento, cuja grande parte dos resíduos é da construção civil e também lixo doméstico, como sacolas plásticas, garrafas PET e móveis, oriundos do descarte irregular. As denúncias de descarte incorreto de lixo podem ser feitas através do WhatsApp de fiscalização da Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas (Sesmaur), no número (32) 3690-7984.
Confira a nota da PJF sobre as etapas do projeto de despoluição:
Os serviços consistem na complementação do interceptor de esgoto, que irá transportar esgoto bruto para a Elevatória Independência e, posteriormente, para a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) União-Indústria. Essa fase contempla o trecho entre a Rua Cesário Alvim e o viaduto Augusto Franco e, no total, serão implantados 881 metros de interceptor de esgoto, incluindo uma travessia no Rio Paraibuna.
As próximas frentes de trabalho envolvem a finalização dos coletores de esgoto dos córregos São Pedro e Tapera, além da construção da elevatória de esgoto no bairro Mariano Procópio. As três obras estão com licitação marcada para a próxima semana (dias 6 e 8 de agosto).