Quando Mariana Cária tinha 12 anos, viu um videoclipe de uma música de Rod Stewart em que uma mulher fazia um solo no saxofone. Aquilo prendeu a atenção dela, que já se interessava pela música. Durante as aulas de violão, em um conservatório de sua cidade, Teixeiras, ela descobriu que o professor também tocava aquele instrumento, e decidiu que queria aprender. O que poderia ser só uma brincadeira de criança, no entanto, virou coisa de gente grande: é o que ainda a move, a faz querer enfrentar sua timidez e a trazer algo para o mundo. Foi só anos depois que descobriu que seus antepassados tinham uma ligação forte assim com a música, e que aquele encontro talvez fosse mesmo o seu destino. Seu trabalho como saxofonista, fortemente influenciado pela vivência em Juiz de Fora, agora perpassa pelo ChoraEfe, Choro Bordado, Choro du Chico e Xotaefe, grupos que influenciam também outros músicos a começarem e chegam até quem estiver com os ouvidos abertos no Madame Geváh, no Zezinho ou no Gilbertinho.
Não é que o saxofone seja exatamente muito difícil – mas é que é um instrumento longe de ser popular como o violão, por exemplo. E que, também por isso, tem suas dificuldades de acesso e de aprendizado, como ela explica. Mas como a atração já estava dada, não teve jeito: começou tocando saxofone tenor ainda bem criança, parecendo do mesmo tamanho que o instrumento, em uma banda na cidade próxima de Viçosa. Foi aprendendo o instrumento junto com a leitura da partitura, em um interesse crescente. O primeiro contato com o choro foi acontecendo nesse aprendizado, mas só mais tarde se tornou tão importante em sua vida. Foi também nesse estudo de conservatório e banda, inserida nesse contexto musical, que foi percebendo o quanto o ambiente da música é predominantemente masculino.
Já jovem, essa percepção não mudava. “As mulheres ficam ocupada cuidando de filhos, da casa, fazendo a manutenção diária do planeta. Mas quando a gente vê uma mulher em um lugar de destaque assim e pode pensar ‘nossa, isso é muito legal, quero fazer isso também’, é o que realmente chama a atenção. Com certeza ter sido uma mulher foi o que me chamou a atenção”, relembra. No final da adolescência, para escolher um curso de vestibular, optou por Artes e Design, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e foi seguir uma outra paixão, que eram os desenhos. A cidade foi apresentando um cenário musical diferente, e com isso ela foi tendo vontade de se dedicar de novo à música.
Nesse meio tempo, outro desafio surgiu: em 2017, Mariana teve uma paralisia facial, chamada Paralisia de Bell, e perdeu a capacidade de tocar. “Foi uma frustração muito grande. Tive que voltar praticamente do zero.” E, para conseguir chegar ao nível em que estava antes, recuperando os músculos faciais e os movimentos necessários, ainda foi preciso muito mais estudo e treino. A vontade de voltar foi totalmente relacionada com as rodas de música da cidade, principalmente com a participação de Caetano Brasil, e o que aquele jovem na música trazia de possibilidade para ela. “Foi um longo caminho até eu pegar mais leve comigo mesma, porque eu ficava muito frustrada de ter perdido muitos anos. Mas quando comecei a me apresentar, me senti recompensada de novo”, conta. Quando voltou para roda, no entanto, viu que muita coisa permanecia igual.
Mulheres no sax e no choro
As rodas de choro, das quais ela se animava então a participar, ainda eram ambientes muito masculinos. “Era muito intimidador. Antes de mim, outras mulheres passaram por essas rodas, mas uma presença fixa e assídua nas rodas a gente ainda carece muito. E são várias questões que afastam essas mulheres da roda”, reflete. Mas a partir do momento em que começou a frequentar, até para também se sentir à vontade, começou a levar outras mulheres também. “Eu estava cercada de homens o tempo todo, eu queria tocar, mas me sentia sozinha.” A iniciativa do Xotaefe, banda que integra, é uma das que ela faz parte e que busca mudar isso, ao ir para rua com um bloco e coletivo feminista.
Mas ver mulher no saxofone, então, era ainda mais raro. Por sua personalidade tímida, Mariana achava estranho ganhar esse protagonismo – na verdade, ainda é algo que ela estranha. “Eu faço um grande esforço para subir num palco e aparecer em público. Mas é muito doido, porque a gente quer ser visto. Por que eu escolhi tocar um instrumento que chama atenção assim, se eu não quero aparecer? Então acho que é necessário para a minha música ser ouvida.”
Fortalecimento de artistas
A ideia de criar grupos que ajudassem a fortalecer outros artistas também tinha a ver com a própria trajetória, para ocupar esses espaços de uma maneira mais diversa e que também fosse convidativa às novas gerações. “A galera mais nova, da minha idade, às vezes deixava de frequentar essa roda por ter esse caráter mais tradicional. Então, surgiu a ideia do ChoraEfe.” Junto com esse grupo, então, foram surgindo outras ideias, inclusive de propor rodas de choro para prática em conjunto, oficinas voltadas para os instrumentos tradicionais do Choro.“Isso é importante para que novos músicos apareçam, queiram tocar e se apresentar. Esse movimento é importante para que as rodas não acabem, para que não fiquem restritas a poder aquisitivo ou oportunidade. Essas rodas democratizam o acesso”, diz, sobre o grupo que conta com o apoio de Raphael Fortes, Eutiquio Fonseca, Mariana Almeida, Nathan Lima e Renato da Lapa, e que foi inspirado no projeto Mão na Roda, do Caetano Brasil. Já no Choro Bordado, o quarteto que ela faz parte, toca com Lucas Fajoses na flauta, Gustavo Duarte no violão e Bruno Targs na percussão.
E foi também assim que suas referências foram mudando e se consolidando ao seu redor, com nomes como Tatá Chama e As Inflamáveis, Laura Januzzi, Renato da Lapa e, claro, Caetano Brasil. Esse movimento de reforçar novos artistas também começou como uma redescoberta dentro da própria família a respeito dessas raízes artísticas. Apesar de ninguém ter mantido a tradição musical, antes dela, isso também se alterou. Agora tem uma prima pequenininha que tá aprendendo tocar saxofone também. “Eu estou achando muito bonitinho”, conta.