Conheça Claudio Luiz da Silva: livreiro há 45 anos e dono da Livraria e Antiquário Quarup

Na coluna 'Sem lenço, sem documento' desta semana, Claudio Luiz conta a história por trás da Quarup

Por Elisabetta Mazocoli

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‘O livreiro procura formar o leitor. Isso é muito importante’, afirma Cláudio sobre seu trabalho (Foto: Leonardo Costa)

Com o primeiro salário da vida, Claudio Luiz da Silva abriu um crediário em uma livraria da cidade chamada Pena de Ouro. Pegava livros para ele e para os irmãos – é o mais velho de uma família de sete filhos, de pai pedreiro e mãe doméstica, em que a leitura e os estudos eram sempre incentivados como um caminho para uma vida melhor. Parece que foi um prenúncio da vida que levaria. Já são 45 anos trabalhando com livros, 32 anos na Livraria e Antiquário Quarup, que abriu com o sócio Rogério Teixeira, e 25 anos completos no mesmo endereço, na Rua Padre Café, em Juiz de Fora. Além de ter ajudado na formação dos irmãos como leitores, contribui com esse repertório junto a cada pessoa que passa pelo local e se depara com as várias pilhas de livro, organizadas com cuidado por ele, que sabe onde cada autor se encontra. São objetos que contam histórias, revelam vidas, ajudam a entender o mundo. E, por isso, ele permanece. Quem chega com um autor em mente ou precisando de uma indicação, sempre encontra ajuda.

O caminho para Claudio se tornar livreiro foi natural, como ele gosta de definir. Começou dessa forma, pelo interesse que ele mesmo tinha pela leitura, desde muito novo. Era leitor principalmente de almanaques, histórias em quadrinho e do livro “As mais belas histórias”, que leu ainda na escola. Conforme mostrava esse interesse, foi chamado pra trabalhar vendendo coleções e enciclopédias. Mais tarde, foi trabalhar na Viviane Papelaria, em 1979. “Fui trabalhar no estoque de livros: ficava mais feliz que pinto no lixo. Não só organizava, mexia com livros e fazia os levantamentos, como também podia ler.” Foram cerca de seis anos trabalhando por lá e depois no Espaço Cultural Livros e Artes, onde mais tarde também se tornaria sócio-proprietário. Foi lá que conheceu Rogério e, juntos, decidiram abrir a Quarup, que leva esse nome em homenagem ao ritual fúnebre sagrado de indígenas Xingu para manter viva a cultura e a tradição.

Desde então, é um trabalho constante mexer com livros. “Eu costumo dizer para as pessoas que, considerando tudo isso que já li e aprendi, já devo ter feito uns quatro cursos superiores. Leio coisas de comunicação, sociologia, história, artes. Primeiro, para aprimorar conhecimentos, mas também para entender o que as pessoas querem. Se alguém chega aqui pedindo um livro de engenharia mecatrônica, preciso saber o que é e quais são os principais autores”, conta. Ele também se dedica a ler especialmente sobre a história dos livros, da literatura, história da cultura e história da tipografia. Tem ainda um interesse especial por autores mineiros e, principalmente, juiz-foranos, até para poder incentivar esse trabalho e fazer essa roda da cultura continuar girando. “O livreiro procura formar o leitor. Isso é muito importante. No dia a dia, a gente trabalha isso, contribui pra essa qualificação, para transformar leitores que disseminam a leitura, que têm livros em casa, que formam uma vida em volta do livro. Isso só faz bem.”

Também durante essa trajetória no mercado de livros há tantas décadas, ele foi acompanhando mudanças importantes no mundo, que não passaram despercebidas ao seu olhar. A quantidade de leitores no Brasil, por exemplo, é algo que sempre chama a sua atenção: como relembra, no ano passado, o país registrou a perda de cerca de 7 milhões de pessoas que leem. Um número que, dentro das suas limitações, tenta mudar: “Aqui a gente vende livros por um preço módico. Também tem essa a vantagem de um sebo, os livros não se perdem, nem os leitores”. Na literatura, também foram muitas mudanças, algumas que ele percebe como bem positivas, como a maior participação de mulheres, pessoas LGBTQIA+, negros e pobres. A sua própria presença, como um homem negro de 68 anos, também foi tendo percepção transformada no meio. “Eu sinceramente não sei quantos livreiros negros tem no Brasil, mas não deve ter muitos, não. Nas feiras de livros, você vê, entre os profissionais do livro, dois ou três, em um universo de 100, por exemplo. São poucos. A gente tem que comer muito feijão com angu para estar aqui, sempre”, conta. 

Encontro espiritual

E quem vai à Quarup pode perceber mesmo que a ida à livraria se torna uma viagem no tempo, com todos os objetos diferentes que o espaço carrega, com os livros de diferentes momentos históricos se reunindo e chamando os seus leitores. Para Cláudio, além de um trabalho que exige qualificação, também é algo que conta mesmo com o destino, com o encontro que se cria naquele espaço. “É um trabalho holístico e espiritual. Se você trabalha com literaturas, precisa saber um pouco de tudo. Se chega alguém pedindo suspense, indico o John Green, se querem com assassinato, tem o Alfred Hitchcock, quem quer detetive, o Conan Doyle. Mas não gosto que minha ideia prevaleça em relação ao do cliente, porque pode ser que ele não goste do livro. Mas sempre dou opções.” Esse seu gosto pelo objeto livro também fez com que, entre seus planos, esteja voltar a livraria ainda mais para bibliófagos, separando especialmente as primeiras edições de clássicos brasileiros, livros autografados e livros bem antigos. 

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‘Eu não deixo a rotina tomar conta da minha vida. Todo dia eu faço a mesma coisa, que é o trabalho com o livro, mas de maneira diferente. Eu não permito que as coisas caiam na burocratização do trabalho.’ (Foto: Leonardo Costa)

Uma das partes do seu trabalho de que mais gosta, inclusive, é a de formar bibliotecas, que exigem essa sua preparação da literatura, ao mesmo tempo que se conecta com a necessidade de cada espaço. “Como recebo muita coisa graciosamente, graciosamente eu também repasso. Principalmente para bibliotecas e instituições de cidades do interior, que estão querendo crescer”, explica. Geralmente, esse trabalho funciona quando os interessados chegam até ele e apresentam uma necessidade, como uma biblioteca lúdica, voltada para crianças com poucas opções de lazer. Sendo assim, ele retoma seu repertório e vai em busca do que pode ser bom para esse público. E cada livro que tem no espaço, é claro, carrega também histórias para além das páginas, assim como os objetos espalhados, que pertencem a várias partes do mundo. “O objeto carrega histórias, os colecionadores contribuem com esse acervo. E o objeto livro carrega a energia dele e daquela pessoa a quem ele pertencia ao longo de uma vida. As memórias que foram carregadas pelas anotações. E da pessoa de quem o produziu também”, conta.

Não é só um negócio

Apesar de ter hora certa para chegar ao trabalho e ficar boa parte do dia pesquisando sobre os livros, Claudio deixa evidente que, para ele, a Quarup não se trata apenas de um negócio. “Tenho clientes e amigos que são mais velhos que eu, que conheço desde a sua tenra idade, até os mais novos, que conheci por procurarem livros de games, por exemplo, e me buscam como referência. É bom, porque todo mundo está aprendendo sempre. Eu aprendo aqui todos os dias”, diz. Também por isso, para ele, é algo que depende de um gosto, de uma vontade muito maior que só de cumprir o tempo ou ganhar dinheiro. “Eu me identifico com o produto, com a vida. Só sei que eu começo o dia feliz e termino o dia feliz. Quando vou para casa, que não é muito diferente daqui, cheia de livros e objetos de arte, fico com saudade.” 

O livro, em sua visão, só trouxe coisas boas para a sua vida. “O livro só faz amigos. Os livros são nossos amigos e, consequentemente, também nos trazem amigos. Tenho pessoas maravilhosas na minha vida que conheci assim.” Também por isso, quer levar coisas boas para a vida das outras pessoas, que chegam lá procurando uma edição específica, um autor ou mesmo um encontro – e podem sair, vez ou outra, em posse de algo que transforma a vida. “Temos que buscar conhecimento para não ser só o balconista da livraria – nada contra, também, mas para a gente fazer esse trabalho de formação, tem que ter esse embasamento”, diz. Como naquele que talvez seja seu livro preferido, entre todos os milhares que já leu na vida, “Grande sertão: veredas”, é preciso ter coragem, é preciso continuar a travessia. 

E também por isso, Claudio não deixa que esse prazer se perca. O legado da Quarup, em sua visão, é contribuir para a formação de mais leitores, para uma relação de carinho e respeito com o livro. Ele faz questão que sua vida mostre isso, com o prazer que sente nesse cuidado. “Eu não deixo a rotina tomar conta da minha vida. Todo dia eu faço a mesma coisa, que é o trabalho com o livro, mas de maneira diferente. Eu não permito que as coisas caiam na burocratização do trabalho. Hoje atendo você, converso com você, e aí depois encontro outras pessoas, converso com outras pessoas. Ou então não converso com ninguém, só comigo mesmo. Ouço jazz, amanhã bossa nova, depois samba. Hoje fiz meu almoço, amanhã vou no restaurante de um amigo, chamo alguém pra tomar um café. É bom demais.”

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende lí[email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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