![Conheça Miss Eulália, que há 26 anos usa a máquina de costura para criar peças únicas 1 miss eulália](https://tribunademinas.com.br/wp-content/uploads/2025/02/miss-eulalia-2-leonardo-costa.jpg)
A máquina de costura de Juliane Carvalho, conhecida por muitos como Miss Eulália, foi herdada de sua bisavó. Ela veio de uma família de costureiras: a primeira dessas mulheres fazia enxovais para igreja; sua avó trabalhava em boutiques e sua mãe fazia um pouco de tudo em casa. Por volta dos 15 anos, elaborou sua primeira peça pra vender, uma almofada de patchwork feita totalmente a mão. Desde então, já são 26 anos no mundo da costura, com uma marca que trabalha artesanalmente diferentes peças, como chapéus, estandartes, “roupas poemas”, colchas, cortinas e muito mais. Cada peça que a artesã se dedica a fazer é totalmente diferente da outra, quem quer encomendar não consegue achar igual. Essa é a graça, para ela: poder acordar todo dia pronta para inventar algo novo, mas que ao mesmo tempo mantém essa conexão ancestral. Por trás das peças coloridas e lúdicas, há uma mulher com três filhas, que enfrentou a síndrome de Guillain Barré e que terá sua história contada em breve no livro “A chapeleira maluca” da escritora Roseana Murray.
Apesar da família já ter essa tradição, a costureira entende que foi na sua vez que houve “um turbilhão de criatividade”. Isso porque trabalha com um jeito diferente do que se encontra nas lojas de departamento, fazendo mistura em suas peças, com crochê junto com tule, voal ou jeans. “Eu não consigo repetir peça. Não dá certo, porque sempre uso materiais inusitados, como restos de tecidos ou elementos que encontrei, então nunca fica igual.” Seu marido, Chistiam, conta que além das encomendas que a mulher recebe, ela faz as peças de acordo com a inspiração que vem. “Ela já acorda com a coisa na cabeça, já sabe o que tem que fazer.” Esse processo, para Juliane, sempre aconteceu naturalmente, e tudo que aprendeu a fazer foi de maneira autodidata. “Em cada peça, a gente vê que tem alguma coisinha que é Miss Eulália. E as pessoas identificam isso. Eu não sei bem o que é, mas acho que é essa coisa da mistura, da renda, dos apliques de elementos antigos”, diz. O que preza é esse artesanato feito sem modelos ou padrões, para que cada peça fique exclusiva para as clientes e tenha uma alma.
A costureira também é formada em pedagogia, e chegou a trabalhar durante 15 anos na rede pública de ensino da cidade. Por isso, seu trabalho também é muito ligado às crianças e aos professores, que fazem encomendas e pedidos para auxiliarem nas aulas – por exemplo em casos de contações de histórias, peças de figurino ou mesmo para cenário. Esse é um dos fatores que mais marcam o seu trabalho, assim como a presença da literatura, que aparece por meio das frases de Guimarães Rosa, Manoel de Barros e Carlos Drummond de Andrade. A mineiridade também é um traço forte. “Em tudo meu coloco uma árvore, casinha, morros, igreja e trenzinho. Gosto dessas paisagens mineiras, de colocar esses elementos. Acho que essa é a minha marca, o que chamou minha clientela. Nós temos muita identidade.”
O nome Miss Eulália veio também da vontade de recuperar essa tradição familiar, ao mesmo tempo que lança um olhar para novas gerações. Era o nome de sua avó, e que também batizou sua filha mais velha. Agora ela é conhecida por muitos assim, já que vende com esse nome da marca no Instagram e Facebook – redes que também foram muito importantes na sua trajetória, principalmente quando adoeceu. “Eu gosto de fazer pra vender, eu não gosto muito de fazer para mim. Eu tenho essa ânsia de mostrar e de ver nos outros”, conta. Apesar de ser um trabalho e não um hobby, ela entende que também é uma missão de vida, algo que ela é capaz de fazer diferentemente das outras pessoas. E algo que também quer passar para as filhas – a do meio já tem uma pequena máquina de costura. “Teve um dia que eu fiz um desenho da mamãe costurando. E eu tenho a minha máquina também”, conta a pequena. Fora que, é claro, quando pode, a mãe também faz peças só para as meninas – na casa, “apertada de costura” não é só expressão metafórica.
Costura é cura
![Conheça Miss Eulália, que há 26 anos usa a máquina de costura para criar peças únicas 2 miss eulália](https://tribunademinas.com.br/wp-content/uploads/2025/02/miss-eulalia-3-leonardo-costa.jpg)
Nos últimos anos, Juliane tinha escolhido deixar a sala de aula para se dedicar integralmente ao ateliê, e foi morar com a família em uma cidade histórica. “Eu tenho muita ligação com Tiradentes, principalmente por causa do artesanato. Eu já expunha lá, tinha muitos contatos, é uma cidade muito artística.” Em 2023, no entanto, ela pegou dengue e, nos meses seguintes, desenvolveu a síndrome de Guillain Barré. “Eu fiquei paralisada dos pés à cabeça. Perdi a fala, a visão, tive parada cardiorrespiratória na UTI. E quase morri mesmo, porque peguei bactéria. Chegaram a chamar meu marido e falar que não ia ter jeito.” Foram mais de 60 dias internada em estado grave e depois meses de fisioterapia para que fosse recuperando, aos poucos, os movimentos. Durante esse tempo, ela precisou contar com a ajuda de familiares e amigos para custear seu tratamento.
Uma das grandes ajudas que recebeu foi da escritora carioca Roseana Murray, que por volta da mesma época também sofreu um grave problema de saúde, quando foi atacada por pitbulls e chegou a perder um braço. As duas se conheceram na internet, e Miss Eulália colaborou com três livros da escritora, fazendo o trabalho de ilustração. “Tive muito medo de não conseguir voltar. Muito, muito. Perdi as forças da mão e tive essa sequela no pé. Mas aos poucos fui voltando. A costura me salvou de novo. Assim que eu fiquei de pé, dei um jeito de correr pra máquina de costura. Comecei a fazer minhas peças e fui conseguindo. Estou no ritmo que sempre tive, trabalho a tarde inteira na máquina. Tenho muita demanda, mas trabalho sozinha.” Atualmente, ela se dedica todas as tardes ao ateliê, e vende principalmente para fora de Juiz de Fora – entende que, por ter voltado para a cidade há pouco tempo, ainda é menos conhecida aqui. Mas essa rede de apoio de clientes já dá conta de tudo que faz.
Reuso, identidade e ‘Vestidos felizes’
![Conheça Miss Eulália, que há 26 anos usa a máquina de costura para criar peças únicas 3 miss eulália](https://tribunademinas.com.br/wp-content/uploads/2025/02/miss-eulalia-1-leonardo-costa.jpg)
O momento em que Miss Eulália está fazendo artesanato também é um momento em que essa atividade está enfrentando mudanças, com meios de produção em massa que fazem peças padronizadas e mais baratas. Ela entende isso e não culpa as pessoas, porque considera que é normal se interessarem pelo que está ao seu alcance, mas lamenta as casas que ficam se parecendo com clínicas, sem cor ou história. E, também por isso, o que quer é fazer diferente: tanto pelos mais de 500 chapéus que já fez, quanto a partir do reuso de resíduo têxtil que trabalha a questão da sustentabilidade, ou a partir do projeto “Vestidos felizes”. Essa é uma ação que faz todo final de ano: “Eu e minhas clientes juntamos dinheiro, eu compro tecido e faço doação de vestidinhos. São sempre peças coloridas, alegres, vibrantes, e levo para crianças carentes”.
Cercada das filhas, ela trabalha em casa, o que nem sempre é fácil. Mas a motivação para continuar e ir desenvolvendo essa identidade nunca deixou de existir, mesmo nos momentos mais difíceis. “Eu falo que eu sou uma mãe não muito boa, mas uma costureira muito boa. Às vezes gosto mais de estar ali criando do que brincando. É uma coisa muito forte. É algo carregado de emoção. Quando sento para criar, entro em outro mundo, saio da realidade mesmo. Pode estar caindo canivete lá fora, que se eu estiver sentada no ateliê, com meu ventiladorzinho, consigo criar coisas maravilhosas.”