Conheça Camila Brasil: cantando samba ‘com coragem e respeito’ por Juiz de Fora

Na coluna "Sem lenço, sem documento" desta semana, cantora conta como recebeu "chamado" pelo samba e trajetória junto com JJ

Por Elisabetta Mazocoli

camila brasil
Cantando toda quarta-feira no Beberico, Camila reverencia história do samba e planeja futuro na música (Foto: Vinicius Damião/ Divulgação)

“Eu não sou cantora.” Essa é a frase que Camila Brasil repetiu para todos ao seu redor, pelo menos desde o fim da adolescência, quando percebiam que ela gostava muito de música e que tinha uma voz bonita. Foi falando isso muitas vezes, talvez para ver se acreditava também, se aceitava. Criada em uma família de artistas, foi com timidez que começou a dar “uma palinha” em shows e foi conhecendo mais gente por meio de encontros de compositores, em que cantava geralmente MPB. Na pandemia, passou a escutar mais samba, a virar fã de carteirinha de Beth Carvalho e do samba raíz e, desempregada, precisou começar a “levar a sério” a música, que ficava sempre em segundo plano. Nas palavras de uma das músicas que mais ama cantar, “Água de chuva no mar”: “Eu encontrei um grande amor/ Felicidade enfim chegou”. Não teve jeito: era cantora, sim.

Ao longo de sua trajetória, Camila, de 26 anos, já trabalhou como garçonete, em call center, foi vendedora de sapatos e atendente em brechó. Mas a infância foi toda no teatro. Nos últimos dois anos, sua rotina mudou, se aproximando dessa vida de artista mesmo: passou a ter que reservar as noites, mesmo durante a semana, para cantar em bares da cidade e eventos, em noites que muitas vezes só acabam no dia seguinte. Considera, agora, um privilégio poder viver da música, algo que sabe que não é nada fácil na vida de um músico. E que, mesmo para ela, era difícil de imaginar alguns anos atrás. “Minha relação com a música parece um namoro. Eu penso em música o dia inteiro, desde a hora em que eu acordo.” Mas para que enxergasse que essa seria sua atividade principal, precisou também arriscar, já que até mesmo admitir que era cantora era difícil.

Com o incentivo de amigos e da família, no entanto, foi se envolvendo cada vez mais com o cenário musical de Juiz de Fora. “Eu gosto até mais de escutar música do que de cantar. Escuto muita música, muita mesmo, se não escuto sinto falta.” Foi em 2020 que também, sozinha em casa, foi se aprofundando no samba, sem imaginar que cantaria esse gênero, que atualmente enxerga como o que mais combina com a sua voz. “Passou a ser um estilo de vida também”, afirma. Durante essa época, também estava cursando Produção Cênica no Machado Sobrinho – mais tarde entenderia que isso também foi um aprendizado para que lidasse melhor com o fato de estar no palco e até assumisse esse status novo de “diva” do samba.

A virada de chave em sua vida foi o momento em que ela e outros amigos, nem todos músicos, se juntaram para tocar samba no Bar do Zezinho, como uma coisa mais descontraída. Aquilo, para ela, foi tomando forma: percebeu que era o que mais queria e conta que foi, junto ao grupo, se esforçando para que aquilo se tornasse algo profissional. Em 2023, inclusive, Camila foi fazer o curso de Canto Popular no Bituca e se formou no curso neste ano. Desde então, ela também passou a se apresentar não só com o JJ, mas como Camila Brasil, “colocando o nome para o mundo”. Quando eles tocam juntos, agora em uma nova configuração (com Adson Gama, Yago Freitas, Fabiano Silva, Carlos Felipe, Éder Silva), o grupo é sinalizado como Camila Brasil+JJ. O que, ainda bem, continua acontecendo.

Zezinho, Ruela, Príncipe, Beberico e muito mais

Quando o JJ começou a tocar, no final de 2021 para 2022, o Zezinho lotou. Logo eles foram chamados também para o Ruela, bar que existia bem no Centro de Juiz de Fora. As pessoas seguiam. “Desde o começo do JJ, a gente tinha essa vontade de tocar na rua, de estar com as pessoas”, conta. Apesar deles também começarem a ser chamados para eventos privados e casas de festa, era de estar na rua que mais gostavam. No entanto, devido à grande quantidade de pessoas que se reuniam, os locais em que iam começaram a receber reclamações de moradores vizinhos pelo barulho. “O final do ano passado, para mim, foi o pior. Entrei em uma baixa de show”, relembra Camila, que na época já estava fora do mercado CLT e só investindo na música.

Então, ela e o JJ se ofereceram para tocar no Príncipe II, no Centro. Lotou de novo. Sugeriram então que passasse para a frente do Cine-Theatro Central. Mais uma vez: plateia cheia, cidade animada. “Eu percebo que o público de Juiz de Fora é carente de ocupação de espaço público gratuito. Muita gente não quer ter que pagar só para entrar”, afirma. Para ela, também foi possível ver, desde que começou, como os jovens estão se interessando mais e mais por samba e querendo esses espaços para aproveitarem. Mas, também lá, tiveram limitações quanto ao som. Na mesma época, ela recebeu o convite para cantar no Beberico, às quartas, e continua fazendo isso. “Está dando muito certo, chego e vejo fila. É muito doido, porque ainda não consigo dar esse mérito a mim”, diz.

Olhar de Camila Brasil para o passado e para o futuro

Para Camila, o essencial de ser uma cantora no samba é “ter coragem e respeito por toda a história”. Coragem, para ela, está atrelada a colocar a cara no mundo e soltar a voz sem vergonha, ir se aperfeiçoando e dando o melhor em cada show, mas também a enfrentar um meio que, como enxerga, ainda é majoritariamente masculino. “Ainda bem que tem tanta mulher que veio antes, como Sandra Portella, Alessandra Crispim, Aline Crispim e outras. Mas ainda é raro, inclusive no pagode”, conta. 

Por outro lado, entende que cantar samba é uma grande responsabilidade. “Eu recebi um chamado para cantar samba. Mas tenho que saber onde piso, ir com calma”, explica, sobre a necessidade de conhecer a história desse gênero e os principais nomes, ainda mais se tratando de um que tem origem tão ligada à cultura afro-brasileira. “Sou uma pessoa branca e de classe média que faz samba. (…) Eu reconheço meus privilégios, sei meu lugar. O samba na minha vida é uma crescente e tenho muito respeito por todo esse legado”, diz. No ano que vem, Camila conta que tem como meta compor e lançar também suas próprias músicas.

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende lí[email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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