Carol Canêdo: ‘Desejei viver de poesia, e aqui está ela diante de mim’

Sala de Leitura entrevista Carol Canêdo, gestora da Autoria Casa de Cultura e escritora

Por Marisa Loures

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Carol Canêdo celebra os dois anos da Autoria, abrindo a casa para lançamento de livro e festa com muita música e literatura. Além disso, prepara a publicação de uma revista dedicada à literatura e anuncia a abertura da Sala Guimarães Rosa (Foto: Divulgação)

O sonho de Carol Canêdo – simplesmente, viver de poesia – completa dois anos, com muito trabalho realizado e lindas demonstrações de afetos. Na coluna de hoje, convidei Carol a voltar ao início de tudo, lá em 2007. Ela dava aula de Língua Portuguesa para estrangeiros, e esse projeto a fez entender “o peso cultural que a língua carregava”. Foi, então, que surgiu um desejo para quando ficasse bem velhinha: ter um centro cultural. “Talvez eu tenha envelhecido rápido”, dispara ela que, quase quinze anos depois, no ano de 2021, enquanto procurava uma sala para montar um escritório, acidentalmente, esbarrou-se com algumas casas antigas. Uma delas, de varandinha bem charmosa e localizada no Bairro Granbery, no ano seguinte, passaria a exalar cultura por todos os cantos.

A Autoria nasceu depois de Carol viver uma perda pessoal, sobreviver a uma pandemia, abrir uma página de poesia e publicar um livro (“Poesia 365 – minha dose diária”). Ah, e depois de ela ter pedido demissão de um emprego estável “porque a vida precisava de mais sentido.” Ela confessa. “Ali, a Autoria me encontrou. O que eu queria? Poesia! Aquela que a gente encontra nas conversas, nos olhares, no café, na música, no chão da vida comum. Não queria palco para poucos, queria o destaque na mesa, o protagonismo na escuta, a construção coletiva, plural, livre e simples. Queria receber, na sala da minha casa, músicos, escritores, artesãos, artistas, cozinheiros, professores, amantes da literatura, da arte e da partilha. Queria um café como desculpa para o encontro com o outro, com a arte, com a literatura e consigo mesmo. Queria o que eu não encontrava em outros lugares.”

E para celebrar esses dois anos de resistência, como ela diz, durante todo o mês de Agosto, vai haver lançamentos de livros, rodas de conversas, clubes de leitura e encontro do projeto Vinho & Psicanálise. No entanto, dois dias serão especiais: a casa abre na próxima sexta-feira (09) para o lançamento de “Por dentro”, obra poética da professora Graci Apolinário, publicada pelo selo Autoria, e, no sábado (10), para uma festa recheada de muita arte, música e literatura. Nesta entrevista, muito emocionada, Carol celebra as conquistas desse espaço de cultura, apresenta os projetos realizados por lá e antecipa algumas novidades. Em breve, nascerá a Revista Autoria, dedicada à literatura. Além disso, a casa se estenderá para o andar de cima, onde funcionará a Sala Guimarães Rosa. 

Há um ano, nasceu o selo Autoria, com o lançamento do primeiro livro. Desde então, a editora tem publicado uma variedade de gêneros. Gostaria que nos explicasse qual é o foco do selo e como é a relação entre a editora e os autores que trabalham com vocês. 

Mais um sonho que me encontrou no meio do caminho, mais cedo do que eu imaginava. A Autoria é uma casa que recebe e apoia o autor independente, seja no lançamento, na venda ou na divulgação do seu livro. Com esse convívio, a demanda por suporte na publicação começou a surgir. Inicialmente, eu indicava outras editoras, mas eu queria e sabia que poderia fazer mais por eles e por mim. Então veio o selo Autoria. Nossa proposta é oferecer ao autor independente um trabalho profissional, cuidadoso e personalizado, levando ao processo de construção do seu livro a consciência nas escolhas. Nossa equipe se esforça para que o projeto final atenda aos propósitos do autor, não apenas realizando o que ele solicita, mas apresentando a ele as melhores possibilidades, dentro da nossa visão, para o sucesso do seu livro. Sonhamos junto com cada autor que passa por aqui.

Qual é o caminho percorrido por um autor que quer publicar um livro com a Autoria?

Do texto original até o livro pronto, há uma série de etapas. O primeiro passo é uma conversa sobre o projeto. Ali, conseguimos conhecer um pouco sobre o autor, sobre a sua história e os seus propósitos.Definimos o básico para projetarmos o orçamento da publicação: formato do livro, tipo de material, público-alvo, tiragem e se haverá e-book. Depois disso, o autor nos envia um arquivo em word, com o seu texto original e construímos um orçamento para publicação. Com o orçamento aprovado, os trabalhos começam: revisão e edição do texto, elaboração do projeto gráfico de capa, diagramação do miolo, registro de ISBN, produção da ficha catalográfica, impressão e conversão em e-book (se for o caso). Na entrega dos exemplares e do arquivo final, nosso contrato finaliza. No entanto, apoiamos o autor no lançamento, que pode ser realizado na nossa casa ou em outro espaço escolhido por ele, e também na divulgação e na venda do livro. Inclusive, normalmente, imprimimos, por nossa conta, exemplares extras, destinados a esse trabalho.

E quais estratégias são desenvolvidas para fazer um livro da Autoria circular? Juiz de Fora consome seus autores?

Vender livros no Brasil é tarefa árdua. Vender livros de autores desconhecidos é ainda mais desafiador. Trabalho diário, de formiguinha, encontrando e criando pequenas oportunidades. Juiz de Fora tem sido generosa com a nossa casa e com os autores que apresentamos, mas competir com grandes nomes e com os preços das grandes editoras e de marketplace é inviável. Por isso, a análise da tiragem ideal para o autor é um ponto importante do planejamento para a publicação. Ao desenvolver o projeto de um livro, já começamos a elaborar as estratégias de divulgação. A capa precisa chamar atenção do público-alvo, o texto de orelha precisa carimbar a qualidade daquela escrita, a biografia e a foto do autor precisam passar a sua qualificação para o “cargo” de autor daquele livro, e o texto da quarta capa precisa despertar o desejo de ler aqueles versos ou aquela história. Não sou da área do marketing e não oferecemos na editora o serviço de assessoria, mas não queremos livros encaixotados por aí. Posso dizer que a clareza do que queremos, desde a primeira conversa com o autor, nos permite uma comunicação eficiente e é assim que chegamos ao público. Sozinhos e isolados não sobrevivemos. Ao longo destes dois anos, construímos laços e parcerias. Somos uma rede de apaixonados pela literatura: autores, livreiros, profissionais do mercado editorial, imprensa, editoras e leitores. Essa é a nossa principal estratégia para fazer um livro circular: apresentar o conteúdo certo a cada pessoa, empresa ou instituição.

Uma das grandes novidades deste ano é o lançamento da revista Autoria. Esse é mais um sonho que está sendo realizado. Sente falta de publicações especializadas em literatura?

Aos poucos, a Autoria retoma o fôlego para outros cômodos da casa. E um deles é a revista. Um periódico que apresente conteúdo literário de qualidade, costurando os grandes nomes da literatura ao universo rico e plural de Juiz de Fora. A intenção é levar desde crônicas (gênero muito popular) até ensaios, produções acadêmicas, pesquisas na área. Não sinto falta de publicações especializadas em literatura, porque temos isso, mas sinto falta da presença local nelas e de maior circulação. Esperem pluralidade e qualidade no conteúdo. Será um periódico mensal, impresso e com distribuição, inicialmente, local. Teremos em torno de 20 páginas, que trarão textos de professores e pesquisadores de literatura, espaço para leitores e colunas assinadas por jornalistas reconhecidas, como Gilze Bara e você. Divulgaremos os lançamentos, pré-vendas e eventos literários locais. Além de, claro, matérias sobre os livros dos nossos clubes.

Sei que o primeiro número vai sair em homenagem a João Guimarães Rosa. Qual sua relação com esse autor? 

O “Grande Sertão: veredas” é o meu livro de cabeceira. Sua poesia no meio de toda a aridez da vida narrada ali, e sua grandiosidade dentro da imensa simplicidade são inesquecíveis. O que Guimarães fez com a Língua Portuguesa é genial. E eu só descobri isso na terceira vez que li o livro. Essa descoberta foi marcante e mudou o meu olhar sobre a poesia e sobre a escrita. Não haveria outro nome para abrir uma revista de literatura publicada pela nossa casa.

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Durante todo o mês de Agosto, na Autoria, vai haver lançamentos de livros, rodas de conversas, clubes de leitura e encontro do projeto Vinho & Psicanálise (Foto: Divulgação)

Por falar nisso, o espaço Autoria aumentou. Agora, vai contar com mais um andar, que receberá o nome de Guimarães Rosa. Quais são os projetos para essa sala? 

Uma grande novidade, em primeira mão! Em breve, vamos inaugurar a Sala Guimarães Rosa. Com ela, o desejo antigo, que já vem sendo colocado em prática na casa, de maneira pontual, mas que agora será ampliado e intensificado: promover a troca de conhecimento, de experiência e de saberes. Será um espaço para apresentações, ensaios e oficinas de arte, de dança, de teatro; para aulas, cursos e palestras; para exposições de arte e, quem sabe (já que gostamos de sonhar por aqui), para exibição de alguns filmes. 

Entre as atividades fixas realizadas na casa, estão os dois clubes de leitura realizados mensalmente e com sucesso de público. Como você avalia o impacto desses clubes na experiência e desenvolvimento dos leitores? 

Os clubes são um lugar de troca, de partilha e de construção a partir dos afetos que um livro é capaz de provocar. Ampliar o olhar, aprimorar a escuta, praticar a sensibilidade são oportunidades que os encontros nos proporcionam. Apesar de lermos o mesmo livro durante o mês, temos a impressão de que cada integrante leu um livro diferente, porque cada um lê do lugar que ocupa no mundo, mas escuta, conhece e aprende sobre o lugar do outro. Além disso, temos a possibilidade de contato com autores que, muitas vezes, não escolheríamos individualmente. Eu diria que os clubes são um jeitinho de mudar o mundo. Para participar, basta se inscrever na Autoria. A mensalidade é R$65,00 e inclui o livro do mês. Ao final de cada mês, nos encontramos presencialmente para discutir a leitura, sempre com um mediador conduzindo a conversa. 

O primeiro encontro do clube de Leitura Vozes Negras ocorreu no final de julho. Por que era tão importante para você ter um clube dedicado, exclusivamente, a leituras e discussões de obras de autoria negra?

Numa sociedade de base racista e machista, a literatura não estaria isenta. A vivência na editora e na livraria me levaram a perceber isso. Nossa base é a palavra, então claro que reconheço a importância dos debates em torno da questão, mas acredito em ações para além do discurso. Ter um clube em que mensalmente um grupo de pessoas se dedica a ler, a conhecer e a parar para discutir sobre um autor negro é uma preciosidade. Não se trata de um clube para falar sobre racismo, trata-se de um clube para dar lugar de protagonismo a esses autores. E não poderia ser eu a conduzir este clube. Não é o meu lugar de fala nem de estudo. Então convidei a Cláudia Santos (fisioterapeuta, gerontóloga, especialista em envelhecimento e apaixonada por livros), que trouxe seu conhecimento, sua vivência e sua imensa sensibilidade para o projeto.

Não posso deixar de perguntar como é ser a responsável por uma casa que exala cultura. Valeu a pena sonhar com ela? E o que mais você deseja para esse espaço?

“Só os loucos sabem”. É resistir todos os dias. No último ano, praticamente, não passamos um dia sem vender um livro. Temos um clube de leitura com o mínimo de 50 inscritos mensalmente. Estamos com três livros com lançamento previsto para agosto pelo nosso selo. E, diariamente, recebemos, para um café, alguém que precisava encontrar nosso espaço. São muitos boletos acumulados, são desafios e desgastes diários, mas não trocaria a minha casa por outro lugar. Desejei viver de poesia, e aqui está ela diante de mim. O que mais eu desejo? Que sigamos sendo um lugar “onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais”.

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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