
Enquanto muitos artistas preferem o computador, Régis Cheker aposta no clássico. Uma prancheta e uma caneta de nanquim. É com esses dois instrumentos apenas que ele cria os desenhos de suas histórias. “Acho que parei no tempo. Inclusive, nem estão fabricando mais caneta de nanquim, e nanquim é usado desde antes de Cristo”, afirma. Então, para continuar dando vida às suas ideias, recorre a sites que comercializam material usado. Ao longo da carreira como cartunista, são seis roteiros produzidos e levados para as páginas de um livro. Já são quatro obras publicadas.
A diferença entre o número de publicações e de histórias criadas tem uma explicação. O novo livro, cujo lançamento ocorrerá no dia 29 de abril, às 19h, na Planet, entrega aos leitores, de uma vez só, três aventuras: a do Narigomem, a do Heitor e a da Marisa. “Trilogia do quadrado: histórias aos quadradinhos” (146 páginas) tem prefácio do professor Anderson Pires, substituindo o professor Gilvan Ribeiro, que morreu em 2022. Tio de Régis, Gilvan foi o prefaciador dos álbuns anteriores. “O trio de protagonista transita de um mundo tecnológico destrutivo para um mundo nonsense, às vezes absurdo”, anuncia Pires.
“Como muitas das situações representam o cotidiano, encená-las sob uma perspectiva surrealista amplifica a crítica do autor sobre os absurdos normalizados de nossa sociedade. Na imaginação feérica de Cheker, sarcasmo, crítica social e lirismo se fundem quadro a quadro. E isso é um triunfo artístico”, avalia o prefaciador. “Eu ataco todo mundo. A direita e a esquerda. Não poupo ninguém. E o lirismo está presente em outros livros que lancei. O ‘Ele’ tem diversas histórias em que fui fundo nas lembranças da minha infância. E, depois, segui um caminho contrário, fui para um lado mais alegre, mais jovial. Passei a deixar um pouco de lado essa coisa de crítica social e fui em busca de algo mais alegre, mais divertido, mais agradável de se ver. É como passar da tragédia para a comédia. Agora, todas as minhas histórias são mais cômicas mesmo.”
Mas por que a linguagem do absurdo atrai tanto o artista? Meu questionamento surge pelo fato de tal linguagem estar presente não só na nova obra, mas também em trabalhos anteriores, como “O aerógrafo” (48 páginas). A resposta, para Régis, é simples. Ela permite dizer algo que o discurso lógico ou linear não alcança.
“Muitas vezes, a pessoa não entende o que está lendo e tem que acreditar. Então, acho que o absurdo é uma maneira de suprir aquela lacuna que a ciência oficial não atinge”, pontua o cartunista, para logo completar sua reflexão. Na visão de Régis, é necessário delirar quando não se encontra uma saída racional para os problemas. “É uma saída para aquilo que a realidade não nos permite entender.”
Três histórias em um só livro
“Trilogia do quadrado: histórias aos quadradinhos” começa com as peripécias do Heitor, apelidado de Bola 8. Segundo Régis, esse personagem pulou da vida real para as páginas do livro. Era um conhecido do autor. Um amigo, já falecido, de quem ele gostava muito, e que pesava 120 quilos, o que explica o apelido. Pois bem. Bola 8 é um gênio da mecânica que tinha um trauma porque, quando criança, o pai não tinha carro. Dessa forma, ficou com trauma de automóvel e passou a destruir o carro das outras pessoas. Para tentar contê-lo, dois agentes secretos foram designados, mas Heitor acaba se convertendo, dando uma invenção revolucionária para o mundo.
Já o segundo roteiro traz as proezas de Narigomem, personagem inspirado em outra pessoa próxima do autor. Régis tinha 11 anos quando escreveu, sobre ela, uma história de duas páginas. Por quase 50 anos, ela ficou guardada até que, durante a pandemia de Covid-19, retornou lá do passado. Trata-se das aventuras de um herói que tem o superpoder do nariz. É com o órgão, que diminui e aumenta de tamanho de acordo com a necessidade, que o protagonista destrói qualquer obstáculo. E já que uma boa história precisa de um vilão, nesta, o bandido é o Pali “Bruta” Montes, um lutador de vale-tudo. Os bandidos tentam envenenar a represa da cidade, contudo, com esse poder especial, Narigomem salva a localidade, tornando-se um herói nacional.
Depois, ainda tem a história da Marisa. Mais uma vez, a personagem não nasceu na ficção. Ela é bem real e é prima de Régis. Quando eles eram pequenos, brincavam juntos, até que, com o tempo, acabaram se afastando. Ela é de Três corações. E Régis resolveu homenageá-la. A Marisa do papel é uma moça que recebe uma luva mágica que tem o poder de castigar qualquer pessoa que fica impune por algo errado que cometeu, o que torna a peça bastante cobiçada. Num determinado dia, Marisa deixa-a junto com as luvas comuns, as quais ficam guardadas no local destinado aos panos de prato. Por isso, os ladrões não a encontram. Por causa desse acessório poderoso, essa mulher acaba tornando-se presidente, mas renuncia ao cargo, e quem ocupa o posto é Flávio Cheker, que, na realidade, é irmão de Régis.
“A gente vai fantasiando, devaneando, e depois acaba colocando no papel o que vai ficando dentro da gente”, afirma o autor. Segundo ele, o livro já era para ter sido lançado há alguns anos, mas o isolamento social o obrigou a alterar os planos. Em seguida, foi preciso correr atrás de editora, gráfica e uma pessoa para resolver os detalhes do lançamento. Régis conta que, durante todo esse tempo, tem trabalhado muito para lançar a obra.
E já que entramos no assunto trabalho, ele comenta que, ainda que escrever seja a parte mais difícil do processo de criação, os textos sempre nascem antes dos desenhos. “O meu sonho era ter um roteirista e ficar por conta só dos desenhos. Geralmente, levo dois anos para fazer um livro, sendo um ano e meio para escrever e seis meses para desenhar.”
Nesse período em que aguardou o lançamento da “Trilogia do quadrado”, um outro roteiro nasceu. Desta vez, baseado em “O manuscrito encontrado numa garrafa”, de Edgar Allan Poe. Os traços a lápis já estão prontos. Agora, ele está na fase de cobrir tudo com o nanquim. “Meu tio Gilvan, que era meu grande incentivador e parceiro, falou para eu quadrinizar um conto do Poe usando bonecos, mas não cor, porque as obras do Poe são sombrias, negras, ocultas”, diz o cartunista.
Um artista clássico
Assim que começo a folhear “Trilogia do quadrado”, sou levada a conhecer, com riqueza de detalhes, cada material utilizado na produção dos desenhos. É mencionado que Régis usa, por exemplo, lapiseira Pentel P209, grafite 2B e borrachas Pentel. A inspiração, diz o cartunista, é um CD da banda alemã Scorpions, cujo encarte apresenta os instrumentos utilizados pelos músicos.
Eu entendi que seu estilo de produção é mais tradicional, e disse isso a ele, que concordou, para em seguida fazer uma pequena retificação. Aliás, nesse momento da conversa, ele me explicou que, em “Trilogia do quadrado”, está presente sua marca registrada. “São três histórias que têm em comum o tamanho dos quadradinhos. Eles são todos quadrados, são todos iguais. Por isso ‘Histórias aos quadradinhos’. Faço sempre assim. Hoje em dia, os artistas fazem quadrinhos com aqueles sangramentos. É como se os desenhos saíssem dos quadrinhos, sangrassem dos quadrinhos. Já eu gosto de contar a história quadrinho por quadrinho. Acho que o que mais se aproxima do meu método é a palavra ‘clássico’. Gosto de fazer da maneira clássica.”