Quando quatro das oito mulheres negras que compõem o Nzinga, coletivo de contadoras de histórias inspiradas pela cultura afro-brasileira e indígena, subirem ao palco da Sociedade Filarmônica, no próximo sábado, dia 31, para a estreia do espetáculo “Eu conto o meu, o seu, os nossos contos”, com certeza, não estarão só. Nas palavras, nos gestos, na alegria, nos figurinos e na sublime beleza que advém da arte, o grupo carrega consigo ideais libertários que povoaram sonhos e iluminaram caminhos ancestrais, se valendo da literatura e da oralidade como estratégias para encantar antigas e novas gerações.
Formado por professoras da rede pública de ensino, desde 2019, o Nzinga é, em si, um espaço amoroso e de acolhimento que estimula oito mulheres pretas a manifestarem histórias autorais, assim como a resgatar contos tradicionais, desvelando, por meio da fala e da escuta, sentimentos, experiências e desejos que convergem e traduzem as dores e as delícias representativas de duas culturas fundamentais para a construção da identidade do povo brasileiro.
Seja na produção individual ou coletiva dos textos, o grupo se ampara nos Valores Civilizatórios Afro-brasileiros (circularidade, religiosidade, corporeidade, musicalidade, memória, ancestralidade, cooperativismo, oralidade, energia vital e ludicidade). Um conjunto de princípios que destaca a África em toda sua diversidade, assim como a herança que africanos e africanas trazidos ou vindos para o Brasil e seus descendentes implantaram no país.
Esses valores foram apresentados pela primeira vez no projeto “A cor da cultura”, de autoria da ativista da luta contra o racismo e com atuação voltada à educação das relações raciais, Azoilda Loretto da Trindade, falecida em 2015. No mês passado, inclusive, as “Nzingas” participaram, no Rio de Janeiro, do lançamento do livro “Cartas para Azoilda”, uma coletânea de textos escritos por pessoas que conviveram com a intelectual ou se inspiraram em suas obras, como é o caso do coletivo juiz-forano que assina mensagens individuais e em grupo na publicação.
Homenagear mulheres negras incríveis é mesmo mais uma das características do Nzinga, cujo nome também celebra a rainha africana Nzinga Mbande, que governou os reinos de Ndongo e de Matamba, situados na atual região de Angola, por 40 anos. “Hábil e carismática, comandou grupos de guerreiros e se destacou como grande negociadora, diplomata e estrategista, usando táticas de guerra e de espionagem”, como conta a jornalista, Fernanda Fernandes, no site da MultiRio.
Na manhã ensolarada do último domingo, invadi o espaço de ensaio do novo espetáculo do Nzinga, produzido especialmente para a Campanha de Popularização Teatro & Dança, no quarto andar do Museu de Crédito Real. Encontrei quatro veteranas que falavam com a doçura, a ansiedade e o encantamento característicos de quem se prepara para subir ao palco pela primeira vez. A apresentação, disseram, mescla cantigas de várias regiões do país, além de trechos da MPB com histórias ouvidas no fundo de quintal de suas casas e de suas memórias, embaladas por um quê de ludicidade e alegria.
Como já era previsível, saí do prédio histórico mais feliz que ao entrar, e atravessei a Avenida Getúlio Vargas, em direção à feira livre da Avenida Brasil, convicta de que os nomes Carolina Bezerra, Claudilene Christina de Oliveira, Flávia Carvalho, Luciene Silvério, Lucimar Silvério, Marilda Simeão, Tereza Cristina de Oliveira e Vanda Maria Ferreira serão falados e ouvidos sempre que Juiz de Fora contar e cantar as libertadoras histórias de suas mulheres pretas.
AGENDA
“Eu conto o meu, o seu, os nossos contos”
31 de agosto, às 17h30, na Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora
Rua Oscar Vidal, 134
Ingressos antecipados a R$ 15, no trailer da Campanha de Popularização Teatro & Dança, no Parque Halfeld. Na portaria, serão vendidos a R$ 40.