Amanhã, quando a Câmara Municipal de Juiz de Fora iniciar a primeira das três discussões para a criação do feriado municipal do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, em 20 de novembro, representantes e adeptos do movimento antirracista estarão nas escadarias do Legislativo, a partir das 17h, não apenas para deixar evidente aos vereadores e à sociedade em geral o quanto a proposta é relevante, mas, sobretudo, para resgatar um elo perdido.
A cidade já poderia estar, desde 2015, no rol de cerca de 1.260 municípios brasileiros e de seis estados da Federação (Minas Gerais obviamente não é um deles) onde a data é feriado, após aprovação do projeto de lei de autoria do então vereador, hoje deputado estadual, Betão (PT), referendado pelo Executivo. Entretanto, uma ação de inconstitucionalidade, proposta pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), que alegava vício de iniciativa do município pela matéria tratar, ainda que indiretamente, de um tema de competência federal (Direito do Trabalho), colocou fim no desejo local.
Agora, porém, se o projeto de autoria da vereadora Cida Oliveira (PT) que vem sendo amplamente discutido, inclusive, por meio do Comitê 20 de Novembro – iniciativa impulsionada por diferentes organizações sociais e do movimento negro, partidos políticos e parlamentares -, for aprovado, o entendimento do Supremo Tribunal Federal derrubará qualquer barreira jurídica que pretenda se interpor à decisão da municipalidade. Afinal, o STF, em sua maioria de nove ministros, considera o feriado municipal de 20 de novembro como uma ação afirmativa contra o preconceito racial, desvinculando a pauta das alegações trabalhistas que pipocaram pelos tribunais do país.
É no mínimo curioso como a criação de um feriado, para celebrar justamente a memória e a herança advindas da essencial contribuição de negras e negros, até mesmo pela força do trabalho (escravo, diga-se de passagem), na consolidação da sociedade brasileira, seja alvo de tanta esparrela. Curioso, mas não incompreensível, porque, de fato, quase tudo que gera ou representa uma espécie de conforto para a comunidade negra está diretamente relacionado em provocar o desconforto branco. Como a história nacional está alicerçada no genocídio negro, no direito de subjugar, matar, maltratar, espezinhar e humilhar nossa raça, qualquer iniciativa que vise desconstruir essa base sofrerá revezes. Estamos cientes e prontos para a ação.
É por essas e outras que, entre os adeptos do movimento antirracista, o termo paciência negra, sobretudo no mês de novembro, seja cada vez mais empregado. Acredito que não há expressão mais emblemática. Do latim patientia, que significa capacidade de suportar (dar suporte), de resistir sem perder a calma e a concentração, a palavra é coerente com a pauta negra e também com a cidade de Juiz de Fora que, pacientemente (mas não calada), nos últimos oito anos, esperou pelo dia de amanhã.
Sim, amanhã vai ser outro dia.
Amanhã é a chance de mais um recomeço na construção de um paradigma bem diferente ao que temos sido submetidos e que, equivocadamente, ainda faz muitos acreditarem em discursos de raça única (a humana), como se tudo o que nós negras e negros vivemos, historicamente e ainda hoje, pudesse ser simplesmente esquecido, apagado, sublimado, ancestral e socialmente, em nome do conforto branco. Não é assim que as leis universais funcionam.
Quem também prega que o movimento antirracista fomenta a desunião deve ficar atento à própria fala que, além de denotar falta de conhecimento de causa, ainda evidencia o pouco que a pessoa sabe sobre si mesma e sobre o Universo que a sustenta. Nesta véspera de amanhã, não custa nada lembrar que paciência é uma grande virtude e se bem exercida sabe impor limites, sobretudo, para promover a paz.