Quando a dor faz barulho

Por Lucimar Brasil

Sou do tipo apaixonada por esportes, inclusive, aqueles mais desconhecidos do grande público brasileiro, como o curling e o futebol americano. Tem a ver com adrenalina, uso da inteligência e do vigor físico simultaneamente, trabalho em equipe, mas também com uma frase que marcou minha infância nas aulas de educação física: “mente sã, corpo são”. Por isso, três acontecimentos relacionados ao cenário esportivo nos últimos dias, incluindo casos de racismo com uma criança e um jovem, me desafiaram a encontrar um elo possível entre eles, ainda que tratassem de questões bem distintas, separadas por distância geográfica, tipo de modalidade, fases de vida, dentre muitos outros aspectos.

A começar pela trágica morte da campeã olímpica de vôlei, Walewska de Oliveira, que me consumiu a ponto de ficar pesquisando na internet tudo sobre seus últimos momentos até a fatídica queda do 17º andar do edifício em São Paulo (SP) onde morava com o marido. Nem sempre o corpo aparentemente são abriga uma mente sã, pensei, incrédula, ao imaginar a dor que ela devia sentir sem transparecer, caso se confirme que houve mesmo um atentado contra a própria vida, a partir da revelação do conteúdo da carta que deixou ao lado de uma taça e de uma garrafa de vinho.

O segundo episódio se deu em março de 2022, na Irlanda. As imagens, porém, que mostram uma ginasta negra sendo ignorada no momento da entrega das medalhas do GymSTART, organizado pela Gymnastics Ireland, voltaram a viralizar agora nas redes sociais, provocando nova onda de comoções, incluindo da supercampeã da modalidade, a norte-americana Simone Biles. Impossível não experimentar a dor da criança que via todas as companheiras brancas sendo agraciadas menos ela, diante da presença de vários adultos que acompanhavam inertes a triste cena.

O terceiro caso se refere a apuração de crime de injúria racial sofrido pelo atleta do Esporte Clube Villa Real, Alexandre Capela, durante partida contra o Guarani, em Divinópolis (MG), em rodada da Segunda Divisão do Campeonato Mineiro de Futebol. Autor do único gol da partida, o jovem de apenas 20 anos que defende o time de Juiz de Fora pediu a interrupção do jogo, logo no início do segundo tempo, ao ouvir grito de “macaco” vindo de um torcedor de 78 anos do time adversário.

Devidamente identificado e com confirmação de quatro testemunhas, o agressor foi conduzido à delegacia onde instaurou-se inquérito policial. Notas de repúdio ao fato e de solidariedade ao jogador tanto por parte do Villa Real, quanto do Guarani e da Federação Mineira deixaram evidente que consciência racial (sobretudo da vítima) faz total diferença, para intimidar esse terrível adversário de todos que é o racismo.

Relacionados pelo esporte, esses três episódios, porém, trazem também em si a perspectiva do silêncio como elemento ensurdecedor de uma sociedade notadamente adoecida. Querendo ou não, a dor em algum momento vai fazer barulho e, por isso, quanto mais apurarmos nossos ouvidos e corações mais teremos habilidades para ouvir aquilo que não está sendo dito – como no infeliz caso da nossa campeã olímpica de vôlei e da pequena ginasta irlandesa -, como para escutar o que há por trás do que está sendo falado, a exemplo do ocorrido com o jogador do time de Juiz de Fora.

De acordo com a assessora de imprensa do Villa Real, Fernanda Evarista, Alexandre Capela decidiu impedir que a dor da agressão sofrida fosse maior que a alegria de ter marcado o gol que não apenas deu a vitória ao clube, como fez a felicidade de seu pai que acompanhava a partida em Goiás, onde mora. Decisão característica de quem pode desfrutar da sensação de paz consigo mesmo, após usar a própria voz como instrumento de justiça.

Por mais barulho nos estádios e nas quadras sempre que necessário, para preservar a expressão da vida em toda a sua plenitude.

Lucimar Brasil

Lucimar Brasil

Lucimar Brasil é jornalista (UFJF) com formação em Impacto Social (Instituto Amani e Gera Social) e em Liderança para Mulheres Pretas (Academia Firminas). Empreendedora, é responsável pela Gente de Conteúdo Comunicação e pelo próprio blog www.lucimarbrasil.com.br, onde publica artigos de diversas inspirações.

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