Na manhĂŁ convulsa, um ipĂȘ-amarelo ousa. Ignora o concreto que o cerca, o arame que o limita, e lança contra o azul brilhante do cĂ©u o amarelo-ouro de suas pĂ©talas. Projeta-se por sobre o alambrado, indomĂĄvel mas pacĂfico, seus galhos retorcidos ofuscados pela luminosidade das flores.
O ipĂȘ-amarelo Ă© danado e nĂŁo acata a poeira do asfalto, o diĂłxido de carbono que os automĂłveis roucos tossem. Imune Ă imundĂcie, brilha, um sol terreno. Ergue-se impĂĄvido Ă margem direita do Rio Paraibuna, do outro lado da rua, entre o muro de concreto e a cerca de arame.
NĂŁo se cobra ingresso para ver o ipĂȘ-amarelo da Avenida Brasil. Ă um espetĂĄculo gratuito. Os motoqueiros que se aventuram no corredor entre os automĂłveis que se cuidem: hipnotizados pelo fulgor arbĂłreo, podem perder o frĂĄgil equilĂbrio que os sustenta no corre-corre de cachorro-louco.
Nos carros, as mulheres viram seus pescoços, os homens abrem os vidros, as crianças abandonam por alguns segundos seus joguinhos eletrĂŽnicos. Os cobradores de ĂŽnibus oferecem suas costas aos passageiros todas as vezes, mesmo sem perceber. NĂŁo se pode ignorar o ipĂȘ-amarelo da Avenida Brasil.
A feiĂșra da rua nĂŁo o intimida. Ele viceja entre os caminhĂ”es feios, as paredes feias, o ar feio, a gente feia. E a bonita tambĂ©m. O ipĂȘ-amarelo nĂŁo faz distinção de sua plateia, olha pro cĂ©u e se oferece Ă vista de quem queira. Atreve-se Ă beleza, o ipĂȘ-amarelo. Esse ipĂȘ teimoso, que ousa na manhĂŁ abafada. Que resiste, belĂssimo, esse esplĂȘndido banal ipĂȘ-amarelo.
IpĂȘ-amarelo