Existiu, há cerca de 50 anos, em um cantão rural da Zona da Mata mineira, afamado alfaiate de nome Ariovisto. Seu pai, de origem portuguesa, era um marceneiro apegado a livros, apreciador da História, notadamente dos feitos do Império Romano. Batizou o filho em homenagem ao líder germânico Ariovisto, que 61 anos antes de Cristo surrara os éduos, estabelecendo-se com 120 mil homens na atual França, até ser expulso por César uns meses depois.
O pai de Ariovisto, homem com alma de artista, dava tratos à madeira como nenhum outro. Reza a lenda que, muitos anos depois de sua morte, no silêncio lúgubre da noite campesina, era possível ouvir ainda suas ferramentas inigualáveis trabalhando na casinha onde, quando vivo, vivia. Foi para essa casa que Ariovisto, já em idade avançada, se mudou após casar com Julieta, mulher 40 anos mais jovem e de ardentes humores.
Do pai, Ariovisto herdou a destreza manual e o temperamento artístico, além de grande compaixão pelos desfavorecidos. Condoía-se com o sofrimento alheio, fosse gente ou bicho, de modos que sempre dedicava esforços a fazer a vida dos outros menos penosa.
Foi assim que, em certa manhã friorenta ao pé da serra, Ariovisto percebeu, pela janela, um pintinho muito feio ciscando no terreiro. Era uma ave desvalida, daquelas de pescoço pelado e parcas penas a lhe cobrir o peito descarnado. A visão doeu nos ossos de Ariovisto, que rapidamente se pôs a costurar um colete para o galináceo.
Com a peça pronta, confeccionada em puro algodão, o alfaiate tomou o pintinho nas mãos e o vestiu, cuidando para que as asas ficassem livres, mas o dorso permanecesse protegido do frio. E o soltou pelo quintal. Dali por diante, o Pinto do Ariovisto passou a ser uma sensação no arraial. De ave menoscabada a personalidade animal mais importante da região, desfilava garboso pelas estradas. As crianças atiravam-lhe grãos de milho, as senhoras o pegavam no colo, os homens lhe faziam reverência ao passar, erguendo seus chapéus.
Mas eis que, dali a poucas semanas, Ariovisto caiu de cama. Prostrado e febril, abandonou a rotina de trabalho. No terreiro, o pintinho se desenvolvia em um frango parrudo, ao passo que o colete de algodão parecia diminuir, limitando seus movimentos. Ariovisto morreu antes de poder costurar um vestuário maior para a ave. E na vila ninguém se dispôs a arrancar do pobre bicho aquela camisa de força. Até que ele desapareceu sem que se vivalma tivesse notícia de seu paradeiro.
Anos se passaram, a vila prosperou quase nada em meio século, também nada restou da alfaiataria de Ariovisto, os baques fantasmagóricos do marceneiro há muito silenciados, mas a imagem do frango espremido no colete diminuto, asinhas erguidas em eterna câimbra, ainda povoa o imaginário dos mais antigos. Diante de uma calça que não fecha ou um paletó cujos botões estão a ponto de estourar, esses que há cinco décadas eram crianças não tardam em apontar, aos risos: ah lá, tá igual o Pinto do Ariovisto.
O Pinto do Ariovisto