Bebês reborn não envelhecem

"A situação demonstra o quanto que precisamos amar mais, resistir e lutar por dias mais generosos e respeitosos com as pessoas."

Por Jose Anisio Pitico

No lendário “Rock Da Cachorra”, hit musical nos anos 80, o artista Eduardo Dusek chamava a atenção da sociedade para a existência das crianças pobres – “tem muita gente por aí, que tá querendo levar uma vida de cão; eu conheço um garotinho que queria ter nascido pastor-alemão; seja mais humano, seja menos canino, dê guarita pro cachorro, mas também dê pro menino, senão um dia desse você vai amanhecer latindo”. Pouca gente ouviu. Os pets ganharam lares (nada contra) e as crianças continuaram nas ruas: abandonadas. Hoje, o cantor, compositor e ator convive com a doença de Parkinson há cerca de 10 anos, e mantém uma vida ativa; recentemente, participou do programa Altas Horas, da TV Globo, com a apresentação de Serginho Groisman: falou sobre a sua fase de vida na convivência com essa doença.

As redes sociais ocupam o nosso dia a dia sobre o que acontece no mundo, de modo real. Semana passada vi e li sobre as “mães reborn”. Fiquei perplexo, certamente, vocês ficariam, caros leitores e leitoras: são bonecos e bonecas que imitam crianças; são bem parecidas, parecidíssimas. E como nos advertia Dusek, em relação aos cachorros e os meninos de rua, essas criaturas são muito bem cuidadas; muito mais até do que as crianças, que falam e que choram. E na sequência dessa nova realidade, aconteceu em SP, no Parque Villa-Lobos, um encontro de 50 mães reborn, com seus filhos e filhas, ao ar livre, na manhã de sábado passado.

Imaginem, se isso acontece no Parque Halfeld? Pode ser, né? E chamaria a presença não só da mídia nacional, como também, da imprensa internacional, como aconteceu em SP. Esse movimento está pautando os principais canais e veículos de comunicação. O que está acontecendo com as pessoas? O porquê desse tipo de comportamento? Com a palavra, os especialistas, de plantão. Em mim, me trouxe muita indignação pela morte em vida da nossa condição humana de existir e de viver a vida. Uma tristeza profunda. A falência dos afetos humanos. Mas por um outro lado, demonstra o quanto que precisamos amar mais, resistir e lutar por dias mais generosos e respeitosos com as pessoas.

Algumas dessas mães presentes a essa reunião em SP, relataram que essa atitude de terem os seus filhos reborn fica por conta da necessidade afetiva; necessidade de amar alguém; necessidade de eternizar-se na presença desses filhos e filhas. Não podemos desconsiderar a intenção lucrativa desse grande negócio que deu muito engajamento nas redes sociais e está dando muito dinheiro para muita gente, mundo afora. Uma dessas mães entrevistadas, afirmou que comprou um boneco por R$ 200 e revendeu o mesmo por R$ 800, depois de ter feito uma grande transformação nele com detalhes de humanos; pintura de cor de pele, cabelos e sobrancelhas desenhados. O que isso tem a ver com o nosso envelhecimento? É mais uma tentativa de negar a nossa humanidade, negar a nossa velhice e negar a nossa morte.

Por que esses bebês reborn não choram, eles também não envelhecem nunca, eles não crescem, eles estão totalmente alheios a passagem do tempo (como as flores de plástico cantadas pelos Titãs, elas não morrem jamais). Eles, simbolicamente, domesticam a ausência da dor e do sofrimento tão próprios da nossa condição humana. Essas fantasias dão muitos lucros como o que está acontecendo nesse novo mercado dos “reborn” ao lado da nossa miséria humana de incapacidade de amar as pessoas. Por que não adotar uma pessoa idosa? Quantas estão por aí, perto de nós, que não tem ninguém para si.

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar. Também é colaborador da Rádio CBN Juiz de Fora com a coluna Melhor Idade. Contato: (32) 98828-6941

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