Vivemos na República de Gilead e temos nossas tias Lydias

Por Marcos Araújo

Sou iniciante no que diz respeito à obra de Margaret Atwood. Comecei a ler o livro “O conto da aia”, o que me despertou o interesse para a série televisiva, que ainda pretendo assistir. Ao pesquisar sobre a protagonista Offred (of-Fred), a serva do comandante Fred, deparei-me com a história dos “Filhos de Jáco”. Na ficção criada para a República de Gilead, onde se passa a narrativa das aias, eles fazem parte de um movimento fundamentalista de reconstrução cristã que lança um golpe e suspende a Constituição dos Estados Unidos.

A bandeira deles é a restauração da ordem. Alguma semelhança com o nosso Brasil atual? Parece brincadeira. Mas é um daqueles clássicos casos em que a vida imita a arte, ou o contrário. Como saber, pois se vivemos tempos em que diversos limites estão borrados e até mesmo ultrapassados à força? A ideia para a qual quero chamar a atenção, nesta coluna, é para algo que os habitantes de Gilead têm que passar a lidar ao longo de suas vidas, totalmente oprimidas: a percepção de que as pessoas responsáveis pela consolidação de um novo regime totalitário sempre estiveram por lá.

Elas eram conhecidas e até tinham posições destacadas na sociedade. Todavia, eram consideradas inofensivas. Não havia motivo para preocupação, até que suas máscaras começaram a cair. Mais uma vez, aqui temos a vida se misturando com a arte. Quero falar da nossa ex-namoradinha do Brasil. A ex-querida atriz Regina Duarte, atualmente Secretária de Cultura. Ela sempre esteve por aqui, desde a década de 1970, para ser mais preciso. Quem não se lembra da história de que o país parou para assistir Regina, em preto e branco, se desdobrando nos papéis de Simone Marques e Rosana Reis em “Selva de Pedra”, novela clássica de Janete Clair?

Pois bem, essa é a Regina que nos embalou ao longo dessas décadas, que conhecíamos, que admirávamos, com algumas ressalvas, até que sua máscara caiu na entrevista da CNN Brasil. Sem nenhum pudor, e de uma forma histriônica, a atriz desconsiderou assassinatos e torturas e disse que preferia ser leve e não carregar um “cemitério nas costas”. Foi um choque para muitos, inclusive para mim, constatar que aquela em frente às câmeras, segurando uma “colinha”, era a Regina de fato, a que nos fez entender o porquê de ela ter se ligado ao atual governo brasileiro e ter deixado para trás um gordo salário de R$ 60 mil na televisão (pelo menos é o que dizem).

Regina nos jogou na cara que também vivemos em nossa Gilead. Ela poderia muito bem, assim como a ministra Damares, fazer parte da horda das tias, comungando das mesmas ideias da personagem Tia Lydia, uma guardiã brutal das aias e responsável pelo treinamento e “bem-estar”, mas também pela disciplina.

Em o “Conto da aia”, mulheres como Tia Lydia são fundamentais para o grupo de opressores que está no poder, que cerceiam os direitos das mulheres e agem sempre para mudar a opinião pública, jogando a culpa de conflitos em seus opositores e figurando como os únicos capacitados para colocar a República de Gilead nos eixos.

O triste na história de Margaret Atwood é que a pessoas só começam a perceber todo o engodo tarde demais, quando a República de Gilead já está em avançado processo de consolidação. Será que ainda resta tempo para a gente?

Marcos Araújo

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