
Há uma frase que todos os pobres, negros, mulheres e LGBTQIA+ conhecem muito bem e que traduz com precisão a violência do Brasil contra suas minorias: “Ponha-se no seu lugar.” Colocar-se no lugar de origem é tudo o que um corpo dissidente deve fazer, segundo o manual não escrito das camadas mais privilegiadas, que reserva aos despossuídos o espaço da invisibilidade. Quando se diz a alguém para se pôr no seu lugar, é o mesmo que lembrá-lo de que não deve sair da sua “insignificância”.
Trata-se, portanto, de uma forma violenta de enquadrar quem ousou transitar, ou existir, fora das margens. Mandar alguém para o seu lugar não é um simples mandamento, mas uma sentença de exclusão. Um manifesto desesperado para manter o status quo intacto.
Se alguém, tratado como cidadão de segunda classe, resolve furar o cerco, logo se recorre ao preconceito de classe, ao racismo, à misoginia, ao ódio. Ao transgressor, reserva-se o questionamento de sua origem, de seu modo de falar, de sua aparência, de sua sexualidade. O incômodo maior está em sua simples existência onde, segundo a lógica excludente, ele não deveria existir.
E esse é um padrão cruel que se mantém firme e contínuo contra corpos e trajetórias insurgentes, como pessoas negras que ocupam a universidade, mulheres que lideram, pobres que questionam, indígenas que legislam. O Brasil é um país que não aguenta ver poder nas pessoas que aprendeu a enxergar sob a lente da marginalidade. Ele olha para seus filhos e filhas mais fragilizados com hostilidade, como se quisesse puni-los com o banimento, apenas pelo atrevimento de impor sua presença aqui.
É uma nação forjada na violência, real e simbólica, que, a cada dia, se torna mais explícita. A incivilidade grita nas ruas contra os que estão em desamparo; no trânsito, contra os pedestres; nas escolas, contra os professores; nos hospitais, contra os doentes; e nas instituições, contra os que mais precisam delas.
O grau de civilidade do Brasil pode ser medido pelo nível de seu parlamento, que, nesta semana, não soube poupar nem mesmo uma ministra. E não por discordar de suas ideias, mas por tudo o que ela representa: uma mulher, negra, de origem humilde. Nela se entrecruzam todos os traços que grupos mais abastados prefeririam ver fora de cena.
Por isso tanta agressividade verbal, tanta violência simbólica. Porque violentar simbolicamente também é uma forma de fazer morrer. De fazer desaparecer. Ao atentar contra a vida daqueles que mais teme, esse Brasil — que não age como mãe, mas como carrasco de seus próprios filhos — acaba, sem querer, dando mais força para aqueles que ousam existir.