O medo entre o giz e o quadro

Na coluna deste domingo, Marcos Araújo escreve sobre o medo que não deveria morar na escola

Por Marcos Araújo

DivulgacaoSindUte MG
A mobilização foi motivada por duas ocorrências de agressão contra educadores na capital mineira (Foto: Divulgação/SindUte-MG)

A frase “Nenhuma professora merece trabalhar com medo!” escancara os riscos a que estão sujeitos aqueles que conduzem o ensino à frente de uma sala de aula no Brasil. Esse alerta, que também é um pedido de socorro, estampava os cartazes de um ato realizado por estudantes e profissionais da educação na última segunda-feira, em Belo Horizonte.

A mobilização foi motivada por duas ocorrências recentes na capital mineira. No primeiro caso, uma professora foi agredida em sala de aula por um aluno de 15 anos, após chamar a atenção dele pelo uso do celular, prática proibida por lei. No segundo episódio, uma supervisora de 61 anos foi agredida por um aluno de 16. Segundo relatos, o estudante entrou na sala de forma agressiva para tirar satisfações com a educadora acerca de questões pessoais. Em seguida, tentou empurrá-la, jogando-a ao chão.

Esses exemplos fazem parte de uma triste realidade que tem se tornado comum nas escolas, ambientes onde o aprendizado, o respeito ao próximo e a noção de cidadania vêm cedendo espaço à violência, muitas vezes gratuita.

O retrato dessa situação pode ser visto na pesquisa realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que indica um aumento de 254% no número de vítimas de violência escolar no período de dez anos. Conforme o levantamento, em 2013 foram registradas 3,7 mil vítimas; em 2023, esse número subiu para 13,1 mil.

Especialistas no tema afirmam que a hostilidade nas instituições de ensino está relacionada a questões psicológicas, mas tornou-se um problema mais amplo, fomentado pela evolução das comunicações, especialmente pelas redes sociais. O crescimento da violência no contexto educacional não é exclusivo das escolas brasileiras, configurando-se como um desafio global, como revelam filmes, documentários e séries que abordam o tema, a exemplo de produções recentes como “Adolescência”, “Tiros em Columbine”, “A vida depois” e “Precisamos falar sobre o Kevin”. 

Refletir sobre essa realidade não deve ser prerrogativa apenas de quem atua na educação. Toda a sociedade precisa se debruçar sobre o problema, a fim de encontrar soluções realmente eficazes. Já está claro que esse tipo de violência é, em grande parte, alimentado por discursos de ódio disseminados na internet, pela conivência de pais e responsáveis diante do desrespeito às regras de convivência, por transtornos psicológicos não tratados em estudantes e, evidentemente, pela histórica desvalorização dos trabalhadores da educação por parte dos governos.

Para que se possa trilhar um caminho efetivo rumo à construção de uma cultura de paz nas escolas, é imprescindível o reconhecimento e a valorização do professor e da professora como educadores. E isso não se resume à valorização salarial, embora ela seja fundamental, mas refere-se, sobretudo, ao respeito à autoridade docente. Quando o respeito se enfraquece nos níveis mais altos das relações sociais, a tendência é que os demais setores da sociedade também se orientem por essas distorções.

É essencial que haja investimento em formação continuada para os profissionais da educação, que os planos de enfrentamento à violência saiam do papel e ofereçam respostas eficazes, inclusive emergenciais, além de suporte real às redes de ensino diante de situações extremas. Não podemos compactuar com o que se configura como uma tentativa sistemática de deslegitimar a autoridade da escola, do conhecimento e do próprio professor. Essas ideias, que vão se espalhando pela sociedade, carregam um viés perigoso de negacionismo, pois negam o papel da escola, da história e de quem ensina. O medo não pode ocupar o espaço entre o giz e o quadro. 

Marcos Araújo

Marcos Araújo

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