Resenha sobre a cegueira

Por Marcos Araújo

Quem já leu o livro “Ensaio sobre a cegueira”,  de José Saramago, ou assistiu ao filme, dirigido por Fernando Meirelles, baseado na mesma obra, entenderá do que se trata esta resenha. Nos últimos dias, tenho me lembrado bastante dessa obra escrita pelo autor português e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, no ano de 1998. 

Sabe aquele motorista do início da história parado no sinal de trânsito e que, de repente, é acometido por uma cegueira inexplicável? Então, sinto que estou vivendo em um país onde muita gente é aquele motorista. Saramago trata essa cegueira como se fosse uma brancura nos olhos que impede seus personagens de enxergarem. 

Essa cegueira branca se espalha pela cidade e contagia um enorme número de pessoas, acarretando uma grande crise dentro da sociedade, o que obriga todos a viverem de uma maneira totalmente fora do comum. Aqui, devo dizer que existe, por parte da vida, uma obscena imitação da arte. Sim, pois aqui no Brasil, nos últimos dias, ou, mais precisamente, desde a última segunda-feira, sinto-me como se estivesse vivendo na mesma cidade criada pelo escritor. 

Lá, na ficção, os cidadãos ficam presos em manicômios com centenas de outros detentos e sofrem com a cegueira, vivendo conflitos enormes. Dentro desse cenário, Saramago, genialmente, explora mais profundamente o que esses seres humanos são capazes de fazer em busca pela sobrevivência, em um lugar onde cada um tem que se adaptar a fim de se manter de pé e não deixar morrer a esperança de voltar a enxergar. 

Quem assiste ao filme ou lê o livro acaba se colocando na pele daqueles personagens e tem a oportunidade de experimentar o mais assombroso sentimento do que é estar no fundo dessa cegueira branca. Guardando os devidos limites, muitas vezes quase imperceptíveis, entre arte e realidade, é assim que muita gente tem se sentido no país. 

“Ensaio sobre a cegueira” é uma obra que espelha o egoísmo do ser humano e sua aptidão para ferir outras pessoas e exigir vários tipos de favores em troca de supostos atos de generosidade. Percebemos que o personagem principal é, na verdade, a própria humanidade, e que Saramago coloca ali a verdadeira essência humana, fazendo um alerta sobre o que é dignidade e sua fragilidade diante de um mundo cheio de desgraça, de fome, de violência e de selvageria. 

Todavia, ao retratar esse caos instalado na cidade, o autor também resgata diversos valores sociais. É sua forma de nos mostrar que existe sim esperança, porque também apresenta pessoas que conseguem trabalhar de forma coletiva, que se preocupam uns com os outros e se ajudam. E mais do que isso: a obra evidencia a responsabilidade das pessoas que têm mais poder para com aquelas que têm menos. 

Neste ponto, é que “Ensaio sobre a cegueira” tem mais a ver com a nossa realidade. Nossas autoridades, nossos governantes, precisam compreender que é preciso olhar e cuidar de todos. Não suportamos mais privilégios para determinados segmentos, enquanto a grande maioria fica com as sobras ou quase nada. Neste sentido, cabe a nós, eleitores, a consciência de que voto não é brincadeira e traz consequências sérias e que podem levar muitos anos para serem revertidas. Carecemos de um fim para essa cegueira, antes que seja tarde demais para evitar o contágio.

Marcos Araújo

Marcos Araújo

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