Deixa a vida me levar
Quatro mundiais se passaram após 2002, mas nenhum com scripts tão perfeitos quanto aquele
Trinta de junho de 2002. Possivelmente você tenha se recordado, pelo noticiário esportivo dos últimos dias, de que esta foi a data do pentacampeonato da seleção brasileira de futebol. E, como o tempo voa, lá se vão 19 anos.
Para nascidos entre o fim da década de 80 e o início de 90, o feito em Yokohama era uma deliciosa rotina de ver a equipe brasileira abrindo e fechando uma Copa do Mundo, tal como nas duas edições anteriores, em 94 e 98. A certeza de que, dos sete jogos possíveis na competição, em sete deles as aulas seriam canceladas e/ou teriam seus horários ajustados, o comércio fecharia mais cedo, pai, mãe, irmãos, vizinhos, todos estariam em festa na torcida.
No Japão/Coreia, devido ao fuso, o charme foi à parte. Houve aquele que ousou fazer churrasco madrugada a dentro. Meu querido pai, que sempre dormia cedo, colocava o despertador para fazê-lo levantar bem na hora da partida. Pulava, gritava, vibrava e depois voltava para a cama, ainda fervoroso com a vitória, mas preocupado com o trabalho no dia seguinte.
O grupo canarinho, de fato, era um grupo. Claro que Ronaldo Fenômeno era a espécie de Neymar da época e atraia mídia. Mas, no coletivo dentro de campo, não era o único a brilhar. Seu penteado e seus dois gols diante de Oliver Kahn estão em qualquer retrospectiva daquele mundial. Mas não como lance único da nossa seleção. O próprio porta-luz de Rivaldo no segundo gol brasileiro está na história daquela competição. Assim como o gol de Ronaldinho Gaúcho, ainda se apresentando ao mundo, diante da Inglaterra. De Cafu, demonstrando seu amor a Jardim Irene e à Regina, sua esposa. Da bomba de Roberto Carlos, em um míssil nada aleatório. E Edmílson, que se enrolou na troca de camisa durante o jogo decisivo?
O tempo passou. Quatro anos depois, uma bobeada na cobrança de falta da equipe francesa, e Thierry Henry iniciou o rompimento daquela forte relação entre Brasil e Copa do Mundo. Uma nova era, bem mais individual, ganhava corpo. Neymar, ainda que não convocado para 2010, já brilhava na Vila Belmiro, e as imagens de seleção brasileira e do “filé de borboleta” começavam a fundir-se praticamente em uma só.
Quatro mundiais se passaram após 2002, mas nenhum com scripts tão perfeitos quanto aquele. Do cabelo de Ronaldo até o hit “Deixa a vida me levar”, de Zeca Pagodinho, nenhum roteiro, nestes 19 anos, foi parecido.