Lenilton, o Padeirinho, e seu andar com fé
Todos os dias, Padeirinho percorre cerca de 30km, a pé ou pedalando sua bicicleta, que carrega um enorme cesto com pães para vender na Zona Sul da cidade
Jardim de Alá, Santa Luzia, Mundo Novo, Santa Cecília, São Mateus, Dom Bosco, Cascatinha, Teixeiras, Ipiranga e Arco Íris. Aproximadamente 15km. O trajeto por dez bairros da Zona de Sul de Juiz de Fora Lenilton Silvério faz pedalando ou a pé, carregando a bicicleta e o agigantado balaio com pães que vende nos turnos da manhã e da tarde. Aproximadamente 30km diários. “Cansar é normal. O cansaço é digno e gratificante”, defende o homem de 33 anos, conhecido como Padeirinho pelas muitas e muitas ruas por onde passa com sua buzina anunciando os pães que deixam a padaria às 6h e às 13h30 para seguir uma extensa e custosa rota.
“Agora saio com 160 pães de sal e 40 pães doces. Antes saía com mais. No começo, já cheguei a vender mil pães num dia. Mas costumava vender 500, 700 todo dia. Hoje, muita gente que me comprava faleceu, e o desemprego abateu muita gente. Antes eu chegava a vender duas cestas e meia, tinha que socar os pães lá dentro. Hoje ela está vazia. Tanto que nem trabalho domingo mais”, diz ele, que pelo pão de sal recebe apenas R$ 0,05 por unidade. No pão doce, ganha R$ 0,10.
De porta em porta, o homem de olhos claros e a pele queimada pelo sol a pino oferece seus pães. Há dias em que esvazia logo o balaio. Em outros, leva mais tempo. Não esmorece. Segue cumprimentando quem encontra pelo caminho, conversando com um vendedor aqui, outro acolá. Anda com fé. Com a fé que está na mulher, na cobra coral e num pedaço de pão, como canta Gilberto Gil. Anda com a fé no que virá: “Tenho vontade de trabalhar mais uns dez, 12 anos – porque sou novo – para comprar um pedacinho de terra para mim, construir um sítio e tocar as coisas. A natureza nossa é da roça. Se falar de criação e agricultura, vou entender, porque é coisa da gente. Já bati pasto, já plantei arroz, mexi com horta e criação, está na mente e no coração. Mas, agora, se você falar de celular e tecnologia, não sei nada. Nem ligo. Uma vez fui atender o celular enquanto trabalhava na rua, ele agarrou na pochete, perdi o controle e a carreta passou buzinando.”
Em nome da casa
Era 1995, quando 20 rapazes de Caratinga, todos conhecidos de Lenilton, resolveram ganhar a vida em Juiz de Fora. Aos 11, o menino se alimentou daquele destino. “Eu estava trabalhando na roça, na lavoura, mas o serviço estava muito ruim, porque a região nossa é muito castigada, chove pouco. Eu estava trabalhando, trabalhando e não ganhava nada”, conta ele, que, seis anos depois, decidiu seguir o mesmo caminho. Inicialmente, dividiu casa com mais oito no Bairro Cidade do Sol. Do grupo, restaram apenas dois. “Foi até bom, porque os outros gostavam muito de festa, balada, bagunça, e eu vim com o pensamento de trabalhar mesmo. Na época, eles falavam que eu não saía, não passeava. Falei assim: ‘Pago aluguel e da minha vida particular cuido eu – e Deus!’. Na família do meu pai, todos bebiam. E eu nunca quis esse sofrimento para mim. Graças a Deus, nunca pus um gole de álcool na boca. Vim tentar a vida, não sofrer”, argumenta ele, que há quase dez anos mora sozinho no Bairro Arco Íris. “Morei de aluguel por dez anos. Hoje comprei meu terreninho e construí minha casa, com muita dificuldade e sacrifício. Quero trabalhar para ter minhas coisas e viver com dignidade. Dinheiro, se souber usar, ele te faz bem. Mas se não souber, ele te fará mal. Dentro das coisas de Deus, fala assim: ‘O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males'”, diz o membro da Casa de Oração, citando o sexto capítulo da Primeira Carta de Paulo a Timóteo.
Da família
Eram outros os tempos em que a família levava na bicicleta o que retirava da terra. “Na época do meu avô, o pessoal vendia mercadoria nas ruas lá da minha região”, conta ele, desde pequeno envolvido com o suor do campo. “Meu pai e minha mãe trabalham na Ceasa. Eles vivem da agricultura, plantando milho, feijão, arroz, café, verduras. Até hoje eles mexem com isso. Quando vou para lá, ajudo”, diz o homem que deixou para trás os pais e as duas irmãs. Ao menos uma vez por mês, ele volta para a casa da família. Enquanto isso, vive sozinho em casa e rodeado de amigos nas ruas. “Arrumei duas namoradas, mas não deu certo. Pedi a Deus para colocar uma pessoa digna do meu caminho, porque ilusão já tem muita. Se for da vontade de Deus eu ter uma família, ele põe uma pessoa simples e humilde para mim”, observa tímido o trabalhador irrefreável, que, no horário do almoço, entre um turno e outro, não aceita parar. “Dá para fazer muita coisa”, ri. “No início, logo que cheguei, peguei bico para fazer, fui mexer com obra, capinar lote, até me firmar. Quando batia a saudade de casa, ia ver o pessoal que veio de Caratinga.”
E do trabalho árduo
Era de dia quando um dono de padaria sacou a arma para ameaçá-lo por vender para a vizinhança. Lenilton explicou: a freguesia foi conquistada pouco a pouco. “Já fui assaltado quatro vezes. Há dois anos, o camarada pôs uma arma nas minhas costas. Aqui em São Mateus já levei pedrada, o cara já mostrou faca para mim. Não pude reagir, mas dizia que estava trabalhando. Não vim para apanhar, só trabalhar. Quero é viver com dignidade”, reafirma ele, que diz comer cerca de dez pães por dia, entre um café e outro, oferecido de casa em casa. “Não gosto de enlatado, coisas com conservantes. Refrigerante eu não tomo. Gosto do que é natural”, defende ele, que anda o dia inteiro e, às segundas, quartas e sábados, chega em casa e logo segue para a igreja. Dorme às 20h, e às 5h já está de pé. “Faço a minha oração, leio um versículo da Bíblia e vou trabalhar. E assim eu sigo.”