Era um domingo. Sem sal como o almoço que fizera às pressas horas antes. Teve que aprender a cozinhar depois do divórcio. Só o fazia obrigado pela fome. Considerava a cozinha coisa de mulher. Chamava de “feminazi” quem o advertia sobre o conceito medieval. Era quase sempre raivoso. Passara o dia zapeando a grade da TV a cabo. “Porcaria”! Xingava a cada canal. Por vezes, detinha-se nas emissoras jornalísticas. Gostava de se refestelar com a desonestidade alheia. “Corja”! “Corruptos!” “Ladrões”. Era sempre raivoso, vale a correção.
Foi assim entre o almoço e o jogo das 19h. O futebol era sagrado aos domingos. Aquele era especial. Tinha clássico. Corinthians x São Paulo. Colocara uma camisa tricolor sem reparar na mancha do molho da pizza que comprara no fim de semana anterior. Daquela vez, não quisera cozinhar. “Coisa de mulher”, grunhira. Começado o jogo, indignou-se com o gol de Jô que colocou o Timão em vantagem.
O ápice da revolta ocorreu quando o zagueiro são-paulino Rodrigo Caio se embolou com Jô, sobrando um toque na perna do goleiro tricolor. O lance resultou em cartão para o atacante, punição revista após o defensor admitir ter sido o responsável pelo pisão. Para ele, a atitude era inadmissível. Raivoso, xingou o defensor com palavras impublicáveis, refestelando-se, desta vez, com a própria desonestidade.
Mais do que o ópio, o futebol é o espelho de nossa sociedade.