Estrangeirismos
Palavras estrangeiras estão cada vez mais entranhadas em nossa rotina. No entanto, sempre é tempo de (re)descobrir os termos deliciosos que temos aos montes na nossa língua
Meus pais são meio avessos à adoção de estrangeirismos na fala coloquial. Quando comecei a usar computador e passei a inserir termos como pen drive, bluetooth e wi-fi, nas conversas, confundi mais um pouco a cabeça deles. Da porta de casa para dentro, a língua portuguesa é mais valorizada. Meu pai sempre briga com a smart TV, que teima em não obedecer aos comandos dele. Não raro, ele perde a paciência, por não conseguir acessar as plataformas com a rapidez que gostaria. Também briga com os programas de auditório de disputa de cantores, porque a maioria sempre escolhe músicas em inglês, quando a riqueza da música brasileira, para ele, deveria ser mais evidenciada nos repertórios dos participantes.
Fato é que, em alguns casos, o estrangeirismo venceu, de maneira inegável. Ninguém chama a air-fryer de fritadeira, todos sabem que o notebook é um instrumento de trabalho que uso diariamente, a lemon pepper virou um tempero comum nas prateleiras do armário, e todas as sextas-feiras ouvimos nosso podcast preferido.
Embora elas cheguem de mansinho e se instalem aos poucos, sem a pretensão de serem notadas, há outras palavras que jamais serão substituídas, porque há uma estima muito grande por elas.
Mês passado foi aniversário de uma grande amiga. Ela gosta muito de cerâmicas, e combinamos de presenteá-la com conjunto de duas peças. Numa delas, está gravada a palavra chamego, e na outra, cafuné, que são duas insubstituíveis e não há expressão estrangeira que dê conta de traduzir com o mesmo charme. Qual foi a minha surpresa – sendo sincero, foi mais uma decepção – quando percebi que o nome de uma das peças era bowl. Encarei aquela pequena palavra cuja pronúncia faz a língua remexer toda dentro da boca. Uma peça feita à mão, com uma palavra repleta de carinho gravada, mas com um nome que não faz jus à sua beleza. Fiquei com vontade de mandar uma queixa, mas sabia que o melhor era guardar a implicância no bolso. Na cristaleira dela, a peça é cumbuca e pronto, ela também prefere, sem discussão.
Fiquei de fato encucado, porque aqui em casa, esse tipo de vasilhame sempre foi chamado de cumbuca. Se temos no nosso vocabulário a palavra cumbuca, não me parece vantajoso trocar por bowl. Já tinha ouvido o termo em competições culinárias de TV, mas não tinha sentido incômodo ainda. Comentando sobre o assunto com um professor e amigo, e ele me disse que, na casa dele, havia outra forma de falar: cambuca. Essas variações também são deliciosas!
Nessa conversa, lembramos de uma das máximas do genial Ariano Suassuna: “Não troco meu ‘oxente’ pelo ‘ok’ de ninguém”. Se ele falou, quem sou eu para discordar?! Aqui, a regra também é essa. Na possibilidade de trazer para o nosso jeito, de ressaltar o que temos de belo, de cobrir tudo com um significado nosso, não tem porquê fazer diferente. Que todo mundo se sinta à vontade para falar como preferir, com ou sem estrangeirismo, porém, que saibam que “macaco velho não põe a mão em cumbuca”, porque nesse caso, bowl não encaixa.