Guia Prático de Harmonização Entre Vinhos e Comidas
Explore comigo o fascinante mundo do “casamento” entre vinho e comida. Preparei um guia prático e rápido para você consultar e se inspirar no momento de criar a tua harmonização.
Caríssimo Enoleitor:
A harmonização entre vinhos e comidas é uma verdadeira viagem sensorial que nos transporta para um universo de novos sabores, aromas e texturas. Apesar de não ser nenhum bicho de sete cabeças, muitas pessoas têm muitas dúvidas e até mesmo pânico na hora de harmonizar uma comida com um determinado tipo de vinho.
Não se aflija, amigo enoleitor.
Neste artigo, explorarei, de forma rápida e objetiva, as regras fundamentais que regem a harmonização entre vinho e comida e trarei algumas combinações clássicas de diversas regiões produtoras de vinho. Além disso, farei sugestões para a harmonização de vinhos com pratos típicos da culinária brasileira e compartilharei dicas imperdíveis para uma bem-sucedida noite de queijos e vinhos.
Prepare-se, pois este será um guia super prático para você consultar sempre que necessário.
Breve História da Harmonização
A história da harmonização de vinhos e comida remonta a tempos antigos. Gregos e romanos já apreciavam essa combinação: a bebida era considerada um presente dos deuses e fazia parte das refeições diárias.
Na Grécia Antiga, o vinho, inclusive, era frequentemente misturado com água e mel e utilizado como bebida das festas e celebrações.
Entretanto, foi na França que a harmonização de vinhos e comida alcançou um patamar elevado. Os franceses, famosos por sua paixão pela bebida, desenvolveram uma abordagem meticulosa para combinar seus vinhos locais com pratos regionais.
O conceito de terroir, que considera o solo, o clima e os elementos locais na produção do vinho, tornou-se fundamental na escola francesa de harmonização. O resultado foi uma série de combinações icônicas, como a sagrada união de um clássico Bordeaux com um suculento cordeiro.
Regras Básicas de Harmonização:
A harmonização de vinhos e comida pode parecer, a princípio, complexa, mas algumas regras básicas vão te ajudar a tirar essa tarefa de letra. Basicamente, você deve ter em mente 4 parâmetros:
- Harmonização por Semelhança: ao adotar essa técnica, o nosso objetivo é combinar e complementar sabores e aromas semelhantes presentes na bebida e na comida. Por exemplo, um vinho branco cítrico, como Sauvignon Blanc, realça pratos de frutos do mar com molho de limão, destacando os tons cítricos do prato.
- Harmonização por Contraste: nesta abordagem, procura-se equilibrar sabores opostos, como o doce e o salgado. Um exemplo clássico é a combinação de um vinho bastante doce, como o Vinho do Porto, com queijos azuis, como o roquefort ou o gorgonzola. A pungência salina desses queijos equilibra a doçura do fortificado.
- Leveza com Leveza, Intensidade com Intensidade: Pratos leves, como saladas, combinam bem com vinhos leves, como Pinot Grigio. Pratos mais intensos, como um bife ancho grelhado, pedem vinhos tintos de corpo médio a encorpados, como um Cabernet Sauvignon com passagem por barrica, para acompanhar a robustez dos sabores.
- Doçura com Doçura: a doçura do vinho complementa e realça os sabores dos pratos doces. O dulçor de um prato se equilibra com um dulçor maior ainda de um vinho. Por exemplo, um Porto Vintage é uma escolha excepcional para acompanhar um chocolate amargo, criando uma harmonização rica e indulgente. Enquanto que sobremesas à base de frutas ficam perfeitas com espumante moscatel.
Harmonizações Regionais e Clássicas:
- França: a França é uma fonte inesgotável de harmonizações refinadas. Pratos de Bordeaux, como o cordeiro, harmonizam perfeitamente com os vinhos tintos encorpados da região. Na Borgonha, um Coq au Vin é a companhia ideal para um Pinot Noir elegante e complexo.
- Itália: a culinária italiana é uma celebração de sabores. Uma pizza Margherita combina harmoniosamente com um vinho Chianti, o queridinho da Toscana, enquanto uma pasta com molho de tomate é a companhia perfeita para um Barbera, por exemplo, que, com seu frescor, destaca lindamente a vivacidade do prato.
- Espanha: a Espanha é famosa por sua rica culinária, sendo a paella valenciana uma preferência nacional. Um tempranillo genérico mais robusto ou um belo Rioja são escolhas maravilhosas para acompanhar esse prato de arroz, carnes brancas e carne de caça, realçando sua complexidade de sabores e texturas.
- Portugal: a cozinha portuguesa é uma pirotecnia de aromas e sabores deliciosos. Pratos como o bacalhau ao Zé do Pipo combinam bem tanto com um vinho branco mais estruturado, com passagem por barrica, quanto com um vinho tinto mais leve, como um gamay ou um pinot noir jovem. Dependendo do preparo e dos ingredientes, o bacalhau brilhará tanto acompanhado por um branco quanto por um tinto. Os Vinhos Verdes (brancos, rosês e tintos) são o “match” perfeito para essa iguaria.
- Alemanha: a culinária alemã é famosa por suas salsichas, dentre inúmeras delícias. Um Riesling alemão, seco ou com leve dulçor, de acidez refrescante, equilibra a gordura e o tempero das salsichas, criando uma combinação muito prazerosa.
- Uruguai: o Uruguai é conhecido por seus tannats frutados e robustos. Um churrasco uruguaio, com suas carnes suculentas, combina perfeitamente com um Tannat encorpado típico do país, realçando os sabores defumados da carne.
- Países Árabes: a culinária árabe é uma orgia de sabores e também é uma das mais saudáveis. Pratos como o falafel e tabule harmonizam bem com vinhos brancos leves, como um Chardonnay ou um Sauvignon Blanc. Quibes assados ou fritos e kaftas pedem tintos frutados e pouco tânicos como um Pinot Noir, um Beaujolais ou um Carménère.
- Japão: comida japonesa e vinho é uma harmonização gloriosa. Sushis e temakis ficam deliciosos quando acompanhados por vinhos brancos aromáticos, como Gewürztraminer e Torrontés, ou espumantes bruts e demi-secs.
Dicas Práticas de Harmonizações com Vinhos Tintos:
- Vinhos Tintos Leves:
- Salmão Grelhado com Pinot Noir: o salmão grelhado, com sua textura delicada e riqueza de sabores, vai bem com um Pinot Noir frutado e leve.
- Risoto de Champignons com Grenache: é uma combinação perfeita. O vinho, frutado e macio, destaca os sabores delicados e ricos do prato, sem sobrepô-los.
- Vinhos Tintos de Corpo Médio:
- Pato Assado com Merlot: O pato assado, com sua carne suculenta e sabor intensamente rico, harmoniza bem com um Merlot de corpo médio. O vinho complementa a carne e cria uma harmonização aveludada.
- Massas com Molho de Tomate e Sangiovese: pratos de massa com molho de tomate, como uma lasanha, combinam perfeitamente com um Sangiovese italiano ou catarinense. A acidez do vinho realça a acidez do molho de tomate.
- Vinhos Tintos Encorpados:
- Risoto de Cordeiro com Cabernet Sauvignon: lembra da clássica escola de harmonização francesa? Nada melhor do que harmonizar um prato sofisticado e de sabor marcante como o risoto de cordeiro com um grande Bordeaux ou outro vinho potente à base de Cabernet Sauvignon.
- Picanha com Malbec: a picanha, carne macia e gordurosa, harmoniza muito bem com um Malbec frutado e estruturado, com passagem por barrica. O vinho, rico em taninos e com excelente acidez, complementa a carne com sabores defumados, doma a suculência e cria uma harmonização sofisticada.
Comida Brasileira:
- Comida Mineira: experimente um Merlot brasileiro com um feijão tropeiro ou uma feijoada. O equilíbrio do vinho complementa a robustez do prato. Se você é mais aventureiro, experimente harmonizar pratos à base de feijão com espumantes. Inclusive moscatéis.
- Comida Baiana: a Bahia oferece uma culinária vibrante e cheia de tempero. Um aromático Gewürztraminer, de acidez equilibrada, é a escolha perfeita para um acarajé, por exemplo, equilibrando o picante da iguaria com seu leve dulçor. Se você for de bobó de camarão, sugiro um rosé de personalidade, como um rosé de Merlot, Syrah ou Malbec.
- Comida do Sul do Brasil: a culinária do sul, principalmente no Rio Grande do Sul, é famosa pela excelência de seu churrasco. Um Tannat da Campanha Gaúcha é uma escolha perfeita, pois destaca os ricos sabores defumados e a textura suculenta das carnes, além de prestigiar a regionalidade da combinação.
- Comida Capixaba: um espumante brut ou um vinho branco de boa acidez, como um Sauvignon Blanc, um Alvarinho ou um Chardonnay, são perfeitos para acompanhar pratos de moqueca capixaba, realçando os sabores untuosos e aromas frescos do mar. Seja ousado e harmonize com um rosé de Pinot Noir ou um rosé da Provence.
Harmonizações Surpreendentes:
- Pizza Margherita com Champagne: uma fatia de pizza Margherita com um Champagne brut é uma combinação inusitada e deliciosa, pois a acidez do vinho equilibra a gordura do queijo e realça os sabores do tomate e manjericão. Um Champagne brut rosé vai alçar a experiência a patamares tântricos.
- Hambúrguer de Carne com Cabernet Sauvignon: uma das melhores combinações comida-vinho. Experimente um vinho tinto de corpo médio a encorpado, com taninos vivos, que faz um contraponto espetacular com a suculência da carne. Um hambúrguer de picanha com molho barbecue fica parfeito com um Syrah intenso e bem marcante.
- Pipoca com Chardonnay: se você é apaixonado por vinho e pipoca, pode unir o útil ao agradável. Aquela pipoquinha feita na manteiga fica perfeita acompanhada por um Chardonnay, principalmente um que apresente notas amanteigadas no paladar. Um espumante brut também cai muito bem, pois ele equilibra o salgadinho da pipoca e refresca a boca com sua efervecência.
- Sushi com Pinot Noir: a sutileza e a exuberância de um Pinot Noir jovem e frutado harmonizam perfeitamente com a delicadeza do sushi, realçando os sabores do peixe. Um delicado Gamay também se sai bem na tarefa.
- Chocolate Amargo com Syrah: o chocolate é sempre um ponto de interrogação. Para a maioria das pessoas, impossível de harmonizar. Contudo, te garanto que um belo Syrah de colheita de inverno ou um Malbec argentino “ornam” muito bem com a intensidade aromática do chocolate, criando uma harmonização indulgente e reconfortante.
- Fondue de Queijo com Chardonnay: um Chardonnay, um Sémillon ou um Viognier barricado, com suas exuberâncias frutadas e texturas cremosas, combinam perfeitamente bem com um fondue de queijo, tornando a experiência reconfortante e, por que não, sensual. Experimente.
- Salgadinhos com Espumante Brut: coxinhas, croquetes e pastéis, fritos ou assados, performam muito bem com um espumante brut ou vinhos brancos de acidez elevada e rica textura em boca, como um Vermentino, um Chardonnay ou um Viognier. A acidez e a riqueza de fruta do vinho realçam a crocância dos salgadinhos, criando uma combinação festiva.
Noite de Queijos e Vinhos:
Uma noite de queijos e vinhos é uma verdadeira celebração de vida: democrática, simples e prazerosa.
Para uma tábua de queijos (e frios) variados, experimente estas harmonizações:
- Queijo Brie com Chenin Blanc: o brie, com sua textura aveludada, combina perfeitamente com um Chenin Blanc de corpo mediano, que realça os sabores suaves e terrosos do queijo. Um espumante brut (ou brut rosê) produzido por método tradicional também contribuirá para uma experiência deliciosa.
- Queijo Azul com Vinho do Porto: o queijo azul, ousado e complexo, casa muito bem com um Vinho do Porto. É a harmonização por contraste entre salgado e doce, lembra? Experimente com um Porto Ruby ou um Tawny. Uma outra opção interessante seria um Late Harvest.
- Queijo Gouda com Sangiovese: o gouda é um queijo de textura firme, versátil e meio adocicado, que combina com brancos e tintos. Se optar por um branco, escolha um branco mais estruturado, com passagem por barrica. Se preferir um tinto, os frutados e com taninos mais suaves serão os mais indicados. Sugiro um Sangiovese brazuca.
- Queijo Parmesão ou Grana Padano com Cabernet Sauvignon: queijos duros e mais maturados pedem vinhos de intensidade semelhante. Vá de tintos mais encorpados como Cabernet Sauvignon, Chianti Classico, Barbaresco e Touriga Nacional.
- Queijo de Cabra com Sauvignon Blanc: o queijo de cabra é famoso por sua acidez e sabor intensos. Um Sauvignon Blanc ou um Alvarinho bem fresco e frutado será perfeito para realçar os predicados do queijo.
Detalhe: se você optar por um único vinho para acompanhar a tábua, sugiro que aposte em um vinho rosê, inclusive um espumante brut rosê. O mais coringa de todos os vinhos, o rosê fará bonito com vários tipos de queijos e frios, incluindo as geleias, pastas, azeitonas e pães. Confie, eu garanto!
Resumindo, caríssimo amigo, desbravar o mundo da harmonização de vinhos e comida é uma jornada emocionante, deliciosa e infindável. À medida que você explora novas combinações, sua apreciação pela riqueza de sabores e aromas do vinho e da comida se aprofunda. E a tua cabeça se abre para novas aventuras, concorda?
Tenha em mente que os ingredientes utilizados, molhos, formas de cocção, etc., influenciam, e muito, na harmonização. Sal, pimenta e outros condimentos, ervas, componentes adocicados ou de personalidade forte, como o ovo, todos vão contribuir para o resultado final do preparo.
Não existe apenas um vinho para um determinado prato. As possibilidades e combinações são infinitas. Cada vinho realçará uma comida de uma maneira diferente. Se você não ficar satisfeito com uma determinada harmonização, experimente trocar o vinho ou acrescentar algum elemento “catalisador” ao prato, como um fio de azeite para aumentar a untuosidade ou gotas de limão para incrementar a acidez.
O importante é que você perca o medo de “errar”. Não existe isso. Tudo é permitido.
No final das contas, tudo é relativo e é você que manda. O teu gosto pessoal, as tuas preferências, as tuas possibilidades (financeira, inclusive) vão delimitar as tuas escolhas e experiências. Portanto, aventure-se, ouse e desfrute desse prazer sensorial único que é o casamento, não monogâmico, entre um belo vinho e uma boa comida.
Espero que este pequeno guia seja muito útil para você!
Saúde e até breve!