Desvendando os 10 maiores mitos sobre vinhos
Quanto mais velho, melhor. Já ouviu esta máxima por aí? Pois leia agora meu artigo sobre os 10 maiores mitos sobre vinhos e esclareça tuas dúvidas de uma vez por todas.
Querido Enoleitor:
No mundo do vinho, como em praticamente tudo na vida, existem muitas inverdades e crendices. É um tal de inventar uma moda daqui, instituir uma regra dali e a gente acaba se perdendo no meio do fogo cruzado de informações. E, convenhamos, teorias e noções duvidosas só contribuem para o aumento do abismo entre o vinho e você.
Separar o joio do trigo não é tarefa fácil, por isso, eu preparei este texto para facilitar a tua vida: irei esclarecer alguns mitos sobre vinhos que são largamente difundidos como verdades por aí.
Preparado? Então lá vai.
1. Quanto mais velho o vinho, melhor.
O vinho é uma bebida fermentada que possui uma vocação ímpar para o envelhecimento e sim, alguns chegam a permanecer perfeitamente consumíveis por décadas. Porém, a maioria dos vinhos que está no mercado não sofre uma melhora significativa com o passar do tempo e, ao chegar às nossas mesas, a bebida já está pronta para o consumo.
Apenas uma pequena porcentagem (em torno de 3%) são vinhos que, ao envelhecer, exibem novas camadas e nuances e este fenômeno, conhecido como evolução, pode durar por longos anos. Estes raros exemplares são chamados de “vinhos de guarda”.
A longevidade de um vinho começa no vinhedo: apenas uvas de qualidade superior são capazes de originar um vinho com potencial de evolução. Estes, normalmente, são vinhos equilibrados, com boa estrutura de fruta, acidez marcante, graduação alcoólica um pouco mais alta e, em se tratando de tintos, uma carga tânica considerável.
Mas não se engane, vinhos brancos também envelhecem bem, não é uma prerrogativa exclusiva dos tintos, não caia nessa lorota.
Nesta linha de raciocínio, tenha em mente que os vinhos de safras antigas não são automaticamente superiores aos vinhos de safras recentes. A qualidade de uma safra varia de acordo com as condições climáticas de cada ano e isso influencia, diretamente, na qualidade do vinho produzido naquele ano.
2. Garrafa de fundo profundo é um indicativo da qualidade de um vinho.
São várias as teorias sobre este assunto. Uns dizem que o fundo côncavo das garrafas ajuda na resistência do recipiente, principalmente se houver pressão interna, como no caso de espumantes. Outros afirmam que serve para dar maior segurança no armazenamento e estocagem, facilitando o encaixe das garrafas umas nas outras.
Alguns especialistas consideram que o fundo mais côncavo também ajuda no serviço do vinho, como um apoio útil para o dedo. Há os que acreditam ser uma questão de puro marketing.
A única certeza sobre este assunto é a de que não existe garantia sobre a qualidade do vinho apenas analisando-se a profundidade do fundo da garrafa. A prova de fogo incontestável de todo vinho é o momento em que ele é servido numa taça.
3. Vinho feito de várias uvas é ruim.
A qualidade do vinho não tem nenhuma relação com a quantidade de uvas utilizadas na sua elaboração. Ele pode ser um vinho varietal, composto por uma só casta, ou um blend ou assemblage, ou seja, uma combinação de uvas. O blend pode ser uma fusão de castas ou safras diferentes; ou ainda uma mistura de vinhos submetidos a processos de vinificação diferentes.
O vinho ser tecnicamente bom (ou não) tem a ver com a qualidade das uvas e da safra, a densidade de plantio, as práticas de colheita, os procedimentos e técnicas de vinificação, a higiene mantida na adega e a experiência do profissional que o elabora – citando alguns fatores importantes.
4. Vinho com tampa de rosca é de qualidade inferior a vinho vedado por rolha.
A tampa de rosca ou screw cap é uma alternativa de vedante mais barata do que a tradicional rolha de cortiça, proveniente da casca dos sobreiros. Sua praticidade e comprovada eficiência na vedação dos vinhos vêm provocando uma revolução na mentalidade dos produtores e consumidores.
Feita em alumínio e, apesar de não proporcionar um lacre 100% hermético para a garrafa, ela impede, com mais eficiência, o contato do oxigênio com o vinho, o grande vilão da degradação da bebida. Desta forma, a rosca permite a manutenção dos aromas e sabores do vinho intactos por mais tempo, uma característica que está derrubando o preconceito mundial com relação a sua utilização.
A rosca ainda possui algumas vantagens sobre a rolha de cortiça. Além de ser uma tampa que proporciona uma abertura rápida e fácil da garrafa (não há a necessidade de utilização de abridores, por exemplo), ela não sofre com os mesmos problemas de contaminação enfrentados pela cortiça. Sabe aquele cheiro de pano molhado e mofo que muitas vezes sentimos na rolha? Você não vai encontrar este defeito na rosca.
Portanto, não seja preconceituoso com ela, caro amigo. É claro que a rolha ainda é o vedante preferido para os vinhos de guarda, pois ela permite a sua encantadora evolução. De qualquer modo, a tecnologia envolvida no desenvolvimento de roscas mais precisas, que permitem a micro oxigenação do líquido, já é uma realidade. Isto sem mencionar as rolhas sintéticas. Estamos diante da extinção do uso da cortiça? Só o tempo dirá.
5. Vinho rosé é uma mistura de um vinho tinto com um vinho branco.
Em alguns casos, o rosé é sim uma mistura de tinto e branco. Alguns famosos produtores de champagnes rosés, por exemplo, misturam vinhos brancos e tintos já prontos para fazer o chamado vinho base do espumante, que é submetido à segunda fermentação (momento em que se formam as borbulhas, grosso modo).
Porém, na sua maioria, o rosé é resultado de uma vinificação controlada e meticulosa. A começar pelo momento mais precoce da colheita das uvas tintas, que não devem estar totalmente maduras e devem apresentar um grau maior de acidez.
Durante as primeiras horas do processo de fermentação, as cascas das uvas transferem a cor rosada para o mosto, que, na maioria dos casos, é incolor ou amarelo/verde claro. Cabe ao enólogo definir o momento de retirada das cascas, que é exatamente quando o líquido atinge a tonalidade desejada. A partir daí, a fermentação prossegue até o final.
6. Um vinho ácido é um vinho azedo.
A acidez, assim como o tanino e o álcool, tem grande importância na estrutura e no equilíbrio do vinho. Ela é a coluna vertebral da bebida.
Este elemento é responsável pela vivacidade, o que chamamos de “frescor do vinho”, e é um fator crucial para a determinação da longevidade da bebida. Um vinho que apresenta uma acidez maior, teoricamente, terá um potencial de evolução maior do que um vinho “chato”, cansativo em boca.
A acidez de um vinho é percebida pela salivação que provoca em boca. Quanto maior a acidez, maior salivação você irá notar.
Em regra, alimentos azedos, como o limão, são ácidos, mas nem todos os elementos ou alimentos ácidos serão azedos.
7. Se é um espumante, é Champagne.
Todo champagne é um espumante, mas nem todo espumante é um champagne.
Champagne é uma denominação de origem da França, com região demarcada, variedades de uvas determinadas e processos de vinificação específicos e regulamentados, protegidos mundialmente.
Apenas os espumantes produzidos por método tradicional (segunda fermentação em garrafa), na província histórica de Champagne, e que seguem todas as regras da denominação, podem carregar o famoso nome.
Espumantes produzidos nos mesmos moldes do famoso e cobiçado borbulhante francês, em qualquer outra região do mundo, recebem o nome genérico de “espumante” ou apresentam uma outra nomenclatura própria, adotada pela legislação local, como Franciacorta (da região da Lombardia, na Itália) ou Cava (de regiões diversas da Espanha).
Não, o brasileiro Peterlongo não pode usar a nomenclatura, amigo leitor. Conforme-se!
8. Vinho tinto harmoniza com carnes e vinho branco com peixes.
Calma, querido leitor. Esta não é para te confundir, mas sim para flexibilizar as normas pré-estabelecidas. É claro que a noção de cor nos ajuda enormemente no momento da harmonização: vermelho com vermelho, branco com branco. E já te adianto, na maioria das vezes, funciona bem, independentemente das particularidades do vinho escolhido.
Contudo, as nuances do casamento entre vinho e comida são muitas e, com certo treino e experiência, você começa a intuir as melhores combinações e a se permitir testar coisas novas.
No caso dos vinhos tintos com carnes brancas, essa combinação pode funcionar quando se considera o estilo de preparo e acompanhamentos.
Por exemplo, um vinho tinto leve e frutado, como um Pinot Noir jovem, pode realçar o sabor de um frango assado com ervas, especialmente se houver algum molho ou acompanhamentos mais estruturados, como legumes grelhados. A acidez moderada e os taninos suaves desses vinhos podem equilibrar a suculência e a textura do prato.
Os portugueses são exímios artistas quando se trata de harmonizações com bacalhau. Um bom vinho verde tinto e um prato de bacalhau à lagareiro é uma combinação campeã de audiência.
Da mesma forma, vinhos brancos podem harmonizar com carne vermelha: um vinho branco com passagem por barrica, mais encorpado, untuoso e com boa acidez terá personalidade e peso suficientes para acompanhar um prato de filé mignon e salada de legumes e folhas, por exemplo.
Portanto, não fique com medo de fazer uma escolha equivocada. Aproveite a oportunidade para refletir sobre o “problema” de uma determinada harmonização e tente “consertar” numa próxima tentativa.
9. Vinho tinto deve ser servido à temperatura ambiente e vinho branco, gelado.
Em primeiro lugar, estamos falando da temperatura ambiente de onde? Lembre-se de que a temperatura varia de ambiente para ambiente. Muitas vezes, principalmente nas regiões mais quentes do Brasil, ela é mais alta do que a temperatura ideal para servir vinho tinto.
Os aromas e sabores dos tintos se apresentam de forma mais exuberante quando o vinho está em torno de 15 a 18 graus Celsius. Portanto, se o ambiente estiver muito quente, é recomendável refrescar um pouco o tinto antes de servi-lo. Em se tratando de tintos mais leves, como o Beaujolais, por exemplo, o ideal mesmo é servi-lo sempre fresco (geladinho mesmo).
Em se tratando de brancos, a regra geral é servir mais gelado mesmo, em especial, os vinhos brancos mais ligeiros e jovens. Mas, cuidado! Servir um vinho branco muito gelado também pode mascarar seus aromas e sabores, principalmente se for um estilo mais “pesado”, como os brancos com passagem por barrica. Neste caso, opte por servir o vinho após uma leve refrigeração.
Portanto, antes de gelar a tua garrafa, leve em consideração a temperatura do local em que você se encontra e o estilo do vinho que será degustado.
10. Vinho bom é aquele que você gosta.
Então… não exatamente. A qualidade de um vinho não é subjetiva. Existem parâmetros e diretrizes a serem analisados quando se avalia o estado e a qualidade da bebida. E, sinto informar, infelizmente, o nosso gosto pessoal, às vezes, não é assim tão confiável.
Um vinho tecnicamente bem-feito é um produto natural, sem adição de elementos artificiais proibidos, proveniente de uvas de excelente sanidade e submetidas a condições de plantio ecológica, econômica e socialmente sustentáveis. E você pode gostar dele ou não. Então não confunda gosto pessoal com qualidade.
Mas sim, você tem o direito de gostar ou não de um vinho, seja ele qual for. Em última análise, um vinho bom PARA VOCÊ é o vinho que mais agrada o teu paladar.
Bem, por hoje é só.
Espero ter esclarecido algumas meias verdades que você ouve por aí.
Aproveite o teu vinho e fuja dos mitos e preconceitos. Lembre-se que para apreciar a bebida, não é necessário entendê-la profunda e racionalmente. Apenas deguste e aprecie com o coração.
Emocione-se!
Saúde e até breve!