Hoje não tem coluna – II
Hoje não vai ter coluna, igualzinho não teve daquela vez em que uma menina foi culpabilizada quando foi vítima de um estupro coletivo algum tempo atrás. Há algumas vezes em que, mesmo quem vive das palavras, como eu, não encontra as corretas para expressar o estarrecimento diante de algo que parece ruim demais para ser verdade. Eu queria saber direitinho o que dizer pro pedreiro Edvan, que saiu de casa de marmita a tiracolo, e foi mandado de volta pelos militares para sua comunidade, na Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio, porque estava sem documento de identidade. Perdeu o dia de trabalho.
“Mas também, né? Quem sai sem identificação de casa e bla bla bla?”, dirão. No dia (de São Nunca) em que um “dotô” for impedido de sair do Leblon sem identidade, a gente conversa. Isso, claro, acontecerá no mesmo dia desta intervenção em que os moradores da Zona Sul carioca começarem a ser fichados, “por questão de segurança”. Mesmo enquanto não acontece, o pó continua comendo solto nos “barzinhosh” “maish” “deshcoladosh” da carioquice da gema, sabe-se lá como. O tráfico não está na favela? A favela não está sob intervenção? Deve ser pó de pirlimpimpim.
Não tem coluna hoje porque “antes que eu me esqueça”, só tem criança vestindo uniforme da rede pública de educação tendo a mochila revirada, sob a sombra de fuzis do tamanho de sua pouca altura, que contemplam com pequenos grandes olhinhos estatelados. Mas cruz credão, não sou eu que estou falando, hein, gente, longe de mim! Deu na Folha, deu na internet inteira, tá “dando ruim” todo dia nas periferias. Mas eu? Falei nada. Inclusive, nem vou comentar que a atual presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos e representante da Defensoria Pública da União (DPU) Fabiana Severo disse, sobre marmanjo armado futucando mochila de criança de comunidade, que “Não há qualquer justificativa para esse tipo de ação. Ela é desproporcional e inconstitucional”. Mas até onde sei, na porta do Colégio Santo Inácio, em Botafogo, nenhum zíper foi aberto por alguém armado.
Só para citar um fato histórico, eu poderia dizer que a Comissão Nacional da Verdade foi criada em 2012 para apurar violações aos direitos humanos ocorridas no período entre 1946 e 1988, que inclui a ditadura militar (1964-1985) – está no site (http://cnv.memoriasreveladas.gov.br), não estou inventando. E também acrescentaria que da comissão de São Paulo saiu um livro, “Infância Roubada”, que reúne relatos de adultos de hoje, outrora crianças presas, torturadas e exiladas durante o regime militar no Brasil. Dito isto, se eu fosse comentar algo, diria que é, no mínimo, suspeito (como sou medrosa, certamente falaria “aterrorizante”), o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, dizer que os militares que atuarão na intervenção da segurança do Rio precisam de “garantias” para que não enfrentem “uma nova Comissão da Verdade” (transcrevi como saiu na grande imprensa). Mas estou aqui quietinha, ó. Boca de siri. Hoje não tem coluna.