Há 10 anos, Tupi perdia acesso à Serie B para o Paysandu após campanha memorável
Tribuna relembra temporada marcante e jogo fatídico com jogadores, torcedores e jornalista envolvidos
Há exatos 10 anos, no dia 25 de outubro de 2014, mais de 15 mil pessoas acompanhavam o jogo entre Tupi e Paysandu, no Estádio Municipal Radialista Mário Helênio, pelas quartas de final da Série C. A partida valia o acesso para a Segunda Divisão nacional – feito que nunca antes o Carijó havia alcançado. Confiante mesmo após a derrota no primeiro jogo, por 2 a 1, no Mangueirão, o clube de Santa Terezinha pressionou durante toda a partida, chegou a ter bola na trave, mas não conseguiu fazer o gol. No final, aos 41 minutos do segundo tempo, ainda sofreu o 1 a 0, postergando o sonho de alcançar a Série B.
Até hoje, os torcedores do Tupi lembram com carinho daquele ano. Frases como “2014 foi o melhor time que vi”, “o acesso era nosso” e “mudaríamos o futuro” são proferidas no Estádio Municipal ainda nos dias atuais, em contrapartida com a tristeza do time de 2024, que amargou o descenso para a última divisão estadual pela primeira vez na história da agremiação. Para relembrar os momentos vividos naquela temporada simbólica, a Tribuna entrevista alguns personagens envolvidos no jogo: o ex-goleiro Rodrigo Viana e o zagueiro Fabrício Soares, grandes nomes desse elenco; os torcedores Dudu Kaehler e Gabriel Beghini; e o repórter da Tribuna à época, Wallace Mattos.
Com Léo Condé no comando técnico – hoje treinador do Ceará e que, também neste ano, chegou a disputar a Série A com o Vitória -, o Tupi apresentava um futebol vistoso, relembra o repórter Wallace Mattos. “Era um time que gostava da bola, muito bem treinado. Tive a possibilidade de estar em quase todos os treinos e via um time talentoso, que criava muitas oportunidades. A preparação física também era um ponto-chave desse time, que fazia a diferença dentro de casa. Brincavam que o gramado do Mário Helênio era um ‘colchãozinho’, porque, a partir dos 20 do segundo tempo, o time visitante cansava”.
Dessa forma, o Tupi terminou a primeira fase na primeira colocação do Grupo B, com 34 pontos. Foram nove vitórias, sete empates e apenas duas derrotas em 18 partidas. Nos últimos três jogos em casa antes do mata-mata, somente goleadas: 5 a 0 contra o Mogi Mirim, 4 a 0 contra o São Caetano e 4 a 1 contra o Duque de Caxias. Não à toa, a torcida estava empolgada e com confiança, recorda o torcedor Dudu Kaehler, à época com 19 anos.
“Foi o melhor Tupi que vi jogar. Aquele time era muito qualificado, tanto na parte técnica quanto tática. Fizemos uma primeira fase surreal, dominávamos quase todos os jogos e, naturalmente, o time conseguia as vitórias. Chegou num momento da competição, especialmente em casa, que o torcedor ia ao estádio já pensando em vitória tranquila e até goleada. É uma competição que costuma ser muito equilibrada e a campanha sobrando foi surpreendente”, declara. Mesmo com o resultado adverso em Belém, Dudu diz que o time sempre mostrou ter capacidade de vencer em Juiz de Fora e conquistar o acesso.
Outro fiel torcedor era Gabriel Beghini, hoje produtor audiovisual e que, na época, tinha apenas 15 anos. “As pessoas abraçavam, brincávamos que sempre tinha os 3 mil guerreiros torcedores. Tinham ações, conseguíamos mostrar que o Tupi representava a cidade. Era um sentimento de pertencimento. Lembro que as duas torcidas, Tribo Carijó e Império, se juntaram e cantaram músicas juntas para dar uma atmosfera maior no estádio. Foi também a primeira vez que a galera da minha geração viu o Tupi na grande mídia. O jogo de acesso, contra um gigante do futebol brasileiro. Lembro de grandes canais fazendo matéria em Juiz de Fora a semana inteira, falando não só sobre o jogo, mas sobre a cidade e o sentimento das pessoas”.
O fatídico jogo
Com a derrota na partida de ida por 2 a 1, o Tupi precisava de uma vitória por 1 a 0 em Juiz de Fora para levar a partida para os pênaltis. Um triunfo por dois ou mais gols de diferença daria a classificação ao Galo. Na oportunidade, o time titular foi formado por Rodrigo; Henrique (Ademilson), Wesley Ladeira, Fabrício Soares e Raphael Toledo; Genalvo, Léo Salino (Maranhão), Maguinho e Éwerton Maradona; Chico e Élder Santana (Douglas). Os jogadores chegaram para essa partida motivados, conta o goleiro Rodrigo, um dos grandes nomes do time.
“Tiveram polêmicas no primeiro jogo. Deram um pênalti duvidoso para o Paysandu, que resultou no primeiro gol. O segundo deles teve uma falta no Fabrício Soares, não marcada. Mas o gol que fizemos no final, com o Bruno Barros, nos deu otimismo para o jogo de volta. Em casa, estivemos muito concentrados, querendo demais. Talvez esse querer em excesso nos deixou ansiosos. Sabíamos que eles tinham um time que jogava bem fechado, no contra-ataque. O Yago Pikachu era um escape importante. Fizemos o que foi planejado e conversado para pressionar do início ao final. Tivemos bola na trave, zagueiro tirando gol feito e goleiro fazendo milagre. No final, fomos para o tudo ou nada e acabamos sofrendo um gol”, lamenta o camisa 1.
Da mesma maneira, o ex-zagueiro e capitão Fabrício Soares acha que o excesso de confiança atrapalhou. “O jogo foi ficando tenso, com os atletas ansiosos. Criamos, mas não conseguimos fazer o gol. Não faltou empenho, mas sim tranquilidade e apoio emocional”, diz. “Lembro que a torcida apoiou o tempo inteiro. Foi um jogador a mais durante toda a caminhada”.
Já Wallace Mattos acredita que faltou a bola entrar e ressalta que a expulsão de Wesley Ladeira, aos 36 minutos, também modificou o jogo. “O vermelho era para amarelo, porque foi só uma entrada forte em busca de parar o contra-ataque. Mas o Tupi teve as melhores oportunidades, como uma cabeçada do Chico na forquilha. O Paysandu só teve escapadas em velocidade, em um momento que o Carijó já tinha se jogado todo para cima”.
Na percepção de Dudu Kaehler, a falta de atitude foi fundamental para que a derrota acontecesse. “Não gosto de falar isso, mas é nítido que faltou em vários momentos do jogo. Grande parte dos atletas se apequenaram naquele momento, sentindo o peso e a responsabilidade que carregavam. Não julgando ninguém, já que faz parte do esporte, mas, infelizmente, é a imagem que passaram”, opina. Já Beghini relembra que o contexto era algo que o Tupi não estava acostumado. “Foi um ambiente que nunca mais teve em Juiz de Fora, mobilizou toda a cidade”.
Sentimento
Na mente de Dudu, até hoje, a partida é recordada. “Foi o jogo mais triste que vi como torcedor do Tupi. A frustração era enorme, tristeza absoluta. Não era raiva, pelo contrário, mas quase um sentimento de luto. De parecer que perdeu alguém querido. A torcida aplaudiu pelo geral, pela campanha na primeira fase, mas sentiu o golpe”. Para Beghini, o sentimento foi parecido. “Foi um luto. Muitos choraram, era o jogo mais importante do clube”.
Na concepção de Wallace, a derrota serviu como combustível para que, em 2015, o Tupi, finalmente, conseguisse o acesso para a Série B. “A galera ficou bem triste, foi uma derrota dura, teve torcedor que passou mal na arquibancada. Mas 2014 foi uma lição importante que acabou construindo o acesso de 2015. Olhando em retrospectiva, foram bons os ensinamentos. O time seguinte foi mais pragmático, com vários atletas retornando, e conseguiu o acesso”.
Já para os atletas, as boas memórias estão vivas. “Esse nosso elenco foi um dos mais fortes do Tupi. Bem formado dentro de campo, com objetivos. Muita qualidade técnica e marcação. O campo estava em reforma e mesmo assim conseguíamos jogar um bom futebol. O relacionamento do Léo Condé conosco era bom demais. Um cara dedicado e inteligente. Cobrava bastante, mas tinha a preocupação com o atleta”, fala Fabrício.
Na memória de Rodrigo, ficou a lembrança de quem construiu aquela trajetória com ele no clube. “Todos eram felizes e empenhados a levar o clube em diante. Plantamos a semente para que em 2015 a equipe subisse para a Série B. Vejo que, hoje, o clube merece estar em situações melhores, e a cidade também. Continuo falando com os amigos de Juiz de Fora e visitando quando posso”.
*Sob supervisão do editor Gabriel Silva