Voto e cidadania: Integração da segurança pública com educação, saúde e outros setores é desafio para nova gestão
Durante o próximo mandato, governantes terão que fortalecer estratégias de enfrentamento às drogas, ao tráfico e aos crimes violentos
O que as pessoas querem é que seus filhos cresçam aproveitando a completude de sua infância, que seus pais retornem seguros do trabalho, e que o lazer possa ser desfrutado na cidade sem o receio de ser atravessado por mais um episódio de violência. O desafio, porém, é desviar das estatísticas negativas que tornam a região de Juiz de Fora a quinta mais perigosa do estado, de acordo com dados divulgados pelo Anuário da Segurança Pública.
A terceira reportagem do projeto “Voto e Cidadania”, da Rede Tribuna, conversa com especialistas da segurança pública sobre as prioridades para o Executivo na cidade durante os próximos quatro anos. A partir dela, a Tribuna elaborará uma pergunta relacionada ao tema e a questão será enviada a todos os candidatos à Prefeitura na segunda-feira seguinte, às 8h. As respostas, de, no máximo, dois mil caracteres, devem ser enviadas até as 15h do mesmo dia, e serão publicadas na terça-feira, em nova matéria.
Entre os principais pontos abordados, estão colocar em prática o Plano Municipal de Segurança Urbana e Cidadania, inserir conselhos comunitários no demais bairros além da área central; atender às demandas especificas das regiões quanto à segurança; repensar as políticas de enfrentamento ao uso de drogas e ao tráfico; mitigar o número de mortes evitáveis (por exemplo, homicídios e acidentes); garantir métodos de prevenção à violência doméstica e apoio as vítimas; e, por fim, mudar as altas taxas de crimes sexuais contra mulheres, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência.
Plano Municipal de Segurança Urbana e Cidadania é elemento central
Em 2021, foi sancionado pela primeira vez em Juiz de Fora, o Plano Municipal de Segurança Urbana e Cidadania, com 33 metas a serem cumpridas a partir de eixos. Embora o prazo para o cumprimento das medidas seja de dez anos, o plano tornou a cidade habilitada para receber verbas federais para a segurança desde então – colocando o município alinhado à Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. Para o vice-diretor do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora, Wagner Batella, essa seria a guinada central da política de enfrentamento à violência e promoção da segurança na escala municipal.
“Juiz de Fora é um dos poucos municípios a terem um Plano Municipal de Segurança Pública. Esse é o elemento central da política de enfrentamento à violência e promoção da segurança na escala municipal. Nele estão previstas diversas ações, e em algumas dessas, o Executivo municipal de Juiz de Fora já avançou”, pondera o especialista.
Conforme observa, um dos desafios seria usar como caminho os seguintes eixos do plano: Pesquisa e produção de inteligência; Diálogo e Participação Social; Integração entre o Município e as Forças de Segurança Pública e Fortalecimento da Guarda Municipal; Capacitação Permanente; e, por fim, Transversalidade e Intersetorialidade das Políticas Públicas de Prevenção às Violências – para que o futuro gestor se afaste de improvisos e aumente a interlocução com outros equipamentos como universidades, empresariado e forças policiais.
Conselho Comunitário deve ser expandido para bairros
Uma das frentes que ainda precisa ser aperfeiçoada seria a atuação do Conselho Comunitário de Segurança Pública (Consep), ainda restrito à região central e ao Bairro São Mateus – ainda que, neste último, sem muito fôlego. Em 2023, a iniciativa foi criada para o local com a prerrogativa de evitar a criminalidade por meio da articulação entre a sociedade civil, lideranças empresariais e forças de segurança.
Na época, o Centro apresentava um aumento de furtos e o presidente do Consep Centro, Flávio Souza de Matos, explicou como seria a iniciativa, em que a população teria um papel ativo na pulverização. “É como se cada pessoa fosse um olho, uma câmera de segurança na cidade”. Desta forma, os próprios indivíduos informariam a polícia caso houvesse alguma movimentação estranha no bairro.
Apesar de o projeto ser positivo, regiões periféricas da cidade ainda não contam com a iniciativa, que viria trazer mais segurança para moradores e comerciantes, bem como incentivar a ocupação de espaços públicos para lazer, como praças.
Demandas específicas de segurança em cada bairro
Em pesquisa realizada junto a população pela Câmara de Vereadores de Juiz de Fora, a segurança cresceu como uma das preocupações dos moradores da cidade. O tema foi para terceiro lugar entre as prioridades para a cidade com (13,55%), ficando atrás somente da saúde (21,12%) e da educação (16,02%).
Para a população da região Nordeste, a questão assumiu papel de urgência, conforme os próprios moradores dos bairros Centenário, Santa Terezinha, Eldorado, Bom Clima, Bandeirantes, Granjas Bethânia e Grama apontaram. A área foi afetada por vários crimes, desde tiros em via pública à desova de corpos em um pasto, no dia 29 de março, no Parque Independência. Já no dia 26 de julho, o funcionário de um frigorífico, de 34 anos, teria sido alvejado por um sargento da Polícia Militar à paisana após apontar uma faca para ele, em frente a um açougue no bairro Santa Terezinha.
Ainda assim, outras áreas da cidade também chegaram a apresentar vários episódios de crimes violentos. Isto pode ser explicado à luz do imaginário popular sobre a sensação de insegurança, de acordo com o professor e doutor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Wedencley Alves. “A sociedade faz projeções imaginárias sobre o significa violência e sobre o aumento dela. As pessoas temem, mesmo que não haja em si uma escalada da violência e a informação à população pode ser a chave disso”, comenta.
Batella reitera a fala, pontuando sobre a lacuna entre a manifestação da criminalidade e a percepção dela, e acrescenta, “por isso, conhecer as realidades locais é muito importante. Isso se faz por meio de gestão baseada em evidências, construção de diagnósticos, e escutando a população”, finaliza. Nesse sentido, para tratar da segurança pública na cidade, seria necessário também entender as demandas de cada regionalidade. a fim de atender às especificidades de seus indicadores. O desafio, segundo aponta o especialista, é de a Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania atuar articulada com dados, pesquisas e interlocuções com a saúde e educação da população.
Questão das drogas deve ser abordada sem simplificação
Embora as questões de enfrentamento ao uso de drogas sejam relacionadas à saúde pública, a população demonstrou preocupação quanto à segurança no que diz a respeito ao tema. Pontos conhecidos por serem comuns para o tráfico e uso de drogas, como a Rua José Calil Ahouagi, na região central, e outros locais conhecidos por movimentação semelhante, costumam ser evitados em determinados horários pela população que teme roubos e furtos, que supostamente ocorrem em virtude do vício.
Para o professor Alves, a questão das drogas está implícita na violência quando há disputas por territórios ou quando está associada a repressão de estado. O tráfico, nesse sentido, atuaria recrutando a mão de obra de jovens carentes de políticas públicas e geração de empregos. Um desafio com o qual a cidade ainda precisa lidar.
Outra perspectiva apresentada por Batella, vice-diretor do ICH, é a de que os candidatos devem tratar do tema das drogas sem simplificações que resultem apenas em um entendimento parcial da questão. “A droga se tornou uma mercadoria dentro de uma rede empresarial e criminosa, famílias foram destruídas, e as cidades estão repletas de usuários em níveis decadentes. Por isso, faz-se importante a Prefeitura, em articulação com o Executivo estadual, pensar a repressão, sobretudo à criminalidade organizada em torno do tráfico”.
Um desafio que aparece associado ao tema seria também a ineficácia na abordagem dos usuários, por isso a necessidade de pensar estratégias de saúde pública para o enfrentamento. O professor, apesar de indicar a complexidade da questão a ser trabalhada pelo governo municipal, oferece algumas perspectivas que podem ser colocadas em prática no próximo mandato.
“Políticas como a de redução de danos, campanhas em escolas e políticas socioeconômicas para os jovens funcionam como elementos preventivos mais eficazes nos médio e longo prazos”, diz Batella. Ele também faz uma provocação para que os vereadores, no alcance de sua atribuição na gestão municipal, participem dos debates sobre segurança pública a partir de um prisma multifacetado.
Crimes violentos, atenção às mulheres e aos vulneráveis
No Boletim de Vigilância das Violências feito pela Prefeitura de Juiz de Fora, em 2022, foi feito um diagnóstico do que a cidade ainda precisa avançar no enfrentamento às violências sofridas por crianças, adolescentes e mulheres na cidade. As vítimas demandam uma rede de atendimento que ainda precisa de investimento na sua integralidade.
Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), utilizado como fonte para o boletim, a violência contra a mulher está presente em todas as regiões do município. Entretanto, os locais com mais ocorrências foram São Pedro, Benfica, São Mateus e Santa Cruz. O estudo analisou dados de 2017 a 2021.
Uma matéria da Tribuna mostrou que, em 2023, ano posterior à pesquisa, a cada semana um vulnerável era estuprado na cidade. Com isso, Juiz de Fora ultrapassou as taxas desse tipo de crime registradas nos últimos nove anos. Uma vez que a escola é uma das frentes de identificação desses casos, o desafio seria desenvolver projetos de educação sexual nos colégios municipais da cidade.
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‘Enfrentamento à violência não é apenas questão de polícia’
No que se refere aos homicídios, Juiz de Fora, em 2023, superou os índices de homicídios dos seus últimos seis anos. No mesmo ano, o Boletim de Vigilância das Violências trouxe ponderações sobre as mortes evitáveis – aquelas que não ocorrem de forma natural – entre as ocorrências de 2013 a 2022, criando um panorama sobre os tipos de causas externas que vitimizam os juiz-foranos.
A maior parte das mortes evitáveis na cidade durante este período foram em decorrência de homicídios em que as vítimas eram, em sua maioria, jovens pretos e pardos, e que foram mortos com o uso de arma de fogo; além de acidentes de carros, motos e caminhões, conforme apontou o estudo. A intenção é que a partir dessas informações, os gestores públicos possam articular políticas preventivas.
Para Batella, esse é o momento para debater como o enfrentamento à violência vai ser um fator pontual nessas eleições, tanto para prefeito quanto para os vereadores. “Sem soluções fáceis ou que se resumam a enfrentar a violência com mais violência. Essa fórmula tem sido repetida e os resultados não foram positivos. É chegado o momento de admitir que o enfrentamento à violência não é apenas questão de polícia”, finaliza.