Tudo acontece em Juiz de Fora: facada em Bolsonaro leva caos à redação na véspera de feriado
“Foi tiro, bomba, pedrada?”, questionam jornalistas em meio à cobertura do episódio histórico envolvendo Bolsonaro, no Calçadão da Halfeld, em 2018
Era véspera de feriado pelo Dia da Independência do Brasil. Na redação da Tribuna de Minas, repórteres, editores e fotógrafos estavam mobilizados na cobertura da visita eleitoral a Juiz de Fora do então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro (PL). Apesar do clima já tenso naquelas eleições de 2018 – com o avanço da extrema direita e a disputa acirrada com a esquerda, os jornalistas não imaginavam que estavam prestes a vivenciar um atentado histórico, que iria influenciar os rumos daquele pleito e marcar a era de um país dividido. A facada desferida contra o abdômen do presidenciável em pleno Calçadão da Rua Halfeld, na esquina com a Rua Batista de Oliveira, quando ele era carregado nos ombros por apoiadores e escoltado por policiais federais, levou o jornal a ser procurado pela imprensa de todo o país, na busca pelos detalhes daquele crime violento praticado contra uma figura pública, de 63 anos, em meio a milhares de pessoas. As fotos do repórter fotográfico Felipe Couri – escalado pela Tribuna para o evento daquele dia – foram divulgadas até em sequência no Fantástico, da TV Globo, e percorreram o Brasil e o mundo afora.
“Lembro-me de receber uma ligação telefônica no meio da tarde. E de várias pessoas também receberem informações. Como um boato, que chega velozmente em todo lugar. Foi assim. A informação vinha em flashes. A gente sabia que alguma coisa tinha ocorrido com o candidato. Mas não uma facada. Foi tiro, foi bomba, foi pedrada? E era uma agonia. Porque havia milhares de pessoas lá, segundo a polícia, mais de cinco mil. E começamos a receber mensagens, imagens. As portas das lojas fechando. As pessoas em pânico. E a gente ali, na redação. De repente, não sei quanto tempo depois, recebemos ligações de redações de veículos de comunicação de todo o país”, recorda a jornalista Marise Baesso, que era chefe de reportagem da Tribuna na época. “Em princípio, havia três jornalistas escalados para a cobertura e o fotógrafo. No final, estava toda a redação envolvida. Não tinha como. Foi muita adrenalina.”
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Para quem estava na linha de frente, a situação foi ainda mais conturbada. “Eu estava a poucos metros e, como a maioria das pessoas ali, não sabia exatamente o que tinha acontecido, porque estava no meio da passeata, não à frente. Quando Bolsonaro foi esfaqueado, as pessoas começaram a ser empurradas para os lados, e eu consegui escapar pela Batista de Oliveira. Alguns se perguntavam se ele havia sido baleado, agredido, etc. Eu estava completamente desorientado”, conta o repórter Gabriel Ferreira Borges, que vivenciou esse grande desafio ainda como estagiário. “Liguei para a editora de política, Luciane Faquini, e disse apenas que algo tinha acontecido, porque Bolsonaro havia sido levado dali. Assim que desliguei, abri uma rede social, e a primeira coisa que apareceu foi um vídeo, gravado de um ângulo em que dava para perceber que ele tinha sido esfaqueado. Confirmamos da redação com a Polícia Federal. Aí todo mundo foi mobilizado.”
Para Gabriel, o clima não era exatamente preocupante naquele dia, mas a capacidade de mobilização daquele concorrente o levava a entender que a cobertura seria imprevisível. “A primeira agenda de Bolsonaro, na Ascomcer, onde foi pela manhã, havia sido tumultuada por arrastar muitas pessoas para um hospital oncológico, mas, até ali, algo natural para um candidato à presidência da República.” De acordo com ele, o clima passou a ficar tenso quando o candidato chegou ao Parque Halfeld, de onde sairia para caminhar até a Associação Comercial, na Praça da Estação. “Isso já era no meio da tarde. Ele se expôs desde o momento em que saiu do carro pela janela, subiu no teto e desceu entre os apoiadores.”
Acostumado a cobrir assuntos de segurança pública, o editor da Tribuna Marcos Araújo era repórter em 2018, quando foi surpreendido por um evento daquela magnitude às vésperas do que seria um dia de folga. “Bolsonaro, naquela tarde, iria caminhar pelo Calçadão da Rua Halfeld a fim de realizar um corpo a corpo com seus eleitores. Não me lembro exatamente a hora em que a notícia chegou, só que já eram mais de 16h. A redação recebeu a informação e, imediatamente, instalou-se o caos.”
Suspeita de fake news e busca pela verdade
O jornalista Marcos Araújo ressalta que, na época do atentado – e ainda hoje – notícias falsas não paravam de pipocar, dificultando a apuração. “No início, pensou-se que podia ser uma fake news. A editora Marise Baesso pediu para eu acionar minhas fontes na polícia a fim de confirmar a facada, mas, logo em seguida, a notícia foi confirmada pelos nossos repórteres que acompanhavam a visita de Bolsonaro. A partir daí, todo trabalho foi voltado para informar nossos leitores. Paramos o que estávamos fazendo e passamos o resto do dia, e também o dia seguinte, empenhados na cobertura dos fatos, que alcançavam repercussão nacional e internacional.” Marcos foi deslocado para a Santa Casa de Misericórdia, onde o concorrente esfaqueado seria operado, para acompanhar as informações e boletins médicos. “Sabíamos da importância de nossa cobertura e de que se tratava de um fato que entraria para a história do Brasil, uma vez que Bolsonaro era bem cotado nas intenções de voto, apesar de também enfrentar uma alta rejeição. Como apontaram estudiosos, o atentado de certa forma humanizou Bolsonaro, o que pode ter contribuído para que ele ganhasse a simpatia de parte da população e fosse eleito presidente do Brasil.”
O repórter Gabriel Borges revela que seu nervosismo, naquele momento, não se manifestou pela ansiedade ou estresse. “É difícil se dar conta do tamanho de um evento como esse em tão pouco tempo. Me lembro que ainda estava anestesiado quando fui para a Santa Casa para cobrir a coletiva da equipe médica, já à noite.” Para ele, um trabalho que mobiliza toda uma redação, como esse, “é a melhor sensação que um repórter pode ter”. “Inconscientemente, acho que havia a noção que a nossa cobertura tinha que ser próxima à excelência, porque a Tribuna de Minas é a referência de jornalismo em Juiz de Fora. E assim foi.”
Marise reforça que a propagação de fake news naquela campanha eleitoral foi um ingrediente a mais para tornar tudo ainda mais melindroso. “Foi muito difícil confirmar tudo o que havia ocorrido. O que havia de verdade e o que havia de mentira.” Ela avalia que a disputa à presidência estava relativamente morna e ferveria a partir dali. “Outra grande preocupação era a respeito de quem era Adélio Bispo de Oliveira, apontado como suspeito do crime.” O homem foi preso em flagrante e indiciado por atentado pessoal por inconformismo político, previsto na Lei de Segurança Nacional. A PF concluiu que o agressor agiu sozinho no momento do ataque, com motivação “indubitavelmente política”. Ele foi considerado inimputável pela Justiça, por transtorno mental.
As “horas intermináveis” na porta da Santa Casa também ficaram na memória de quem fez a cobertura. Além dos jornalistas já citados nesta matéria, atuaram os repórteres Daniela Arbex, Leticya Bernadete, Pedro Capetti e Renato Salles, todos sob a orientação do editor geral da Tribuna, Paulo César Magella. “O acontecimento tinha sido em nosso palco da festa da democracia, que é o Calçadão da Halfeld. Não podíamos esquecer detalhes”, destaca Marise. “Registramos o fato para a história. Foi uma eleição muito atípica, e Juiz de Fora estava no centro das atenções.”