Passo atrás nas cotas
Anistiar partidos que não cumpriram determinações da Lei Eleitoral é um retrocesso para o próprio Congresso, que, ao curso dos anos, aprovou medidas para garantir equilíbrio entre as candidaturas
Tramita desde o dia 22 de março na Câmara Federal a Proposta de Emenda Constitucional número 9 – com assinatura de partidos e federações – que anistia os partidos que cometeram algum tipo de irregularidade eleitoral como não cumprimento de cotas nos repasses públicos a mulheres e negros candidatos como prevê a legislação. O texto proíbe qualquer punição a ilegalidades cometidas até a promulgação da PEC. O jornal “Folha de São Paulo”, na sua edição de sexta-feira, classificou a medida como a “maior anistia da história a irregularidades eleitorais cometidas por partidos políticos que, só em 2022, receberam R$ 6 bilhões dos cofres públicos.
Confirmando a máxima do corporativismo, assinam o documento 13 partidos e federações. O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, contribui com 40 assinaturas. A Federação liderada pelo PT, do presidente Lula, colocou 33 assinaturas. O MDB apresentou 29 assinaturas, PSD, 33; PP, 17; Republicanos, 15, e Podemos, 8. Trata-se de uma peça acolhida por todo o espectro político assentado no Congresso Nacional.
O descumprimento de normas eleitorais é uma questão antiga, que levou o próprio Congresso a criar regras para equilibrar o jogo interno das legendas. Não é de hoje que as mulheres brigam por um espaço mais amplo. Finalmente foi possível estabelecer uma cota de 30% de candidaturas, mas foi uma vitória de Pirro. A cota existe, mas o aporte para tais candidaturas é inferior aos recursos destinados aos candidatos do sexo masculino, mantendo, pois, o jogo desigual.
Para contornar a exigência legal, surgiram ao longo do processo candidaturas fantasmas, isto é, mulheres que aceitavam participar da disputa apenas para “cumprir tabela”, mas sem direito a qualquer recurso ou espaço na propaganda eleitoral. Tal fato foi motivo de denúncia e condenação de várias legendas. A anistia zera o jogo.
A instância partidária, ao apresentar tal proposta de viés constitucional dá aval a ilícitos que podem ter tido influência direta nas eleições, com a formatação de um parlamento que deveria ter novos atores se houvesse equidade nas candidaturas. A velha máxima – farinha pouca, meu pirão primeiro – nunca foi tão atual como agora. Os partidos olham para o próprio umbigo e se unem quando o interesse é mutuo, deixando de lado das velhas idiossincrasias do embate político. Agora é um por todos, todos por um.
A PEC é prenúncio de dificuldades para uma série de matérias que tramitam na Câmara e no Senado. Uma delas estabelece cotas de cadeiras, isto é, um determinado número de vagas das casas legislativas seria ocupado, necessariamente, por mulheres. A cota partidária é insuficiente, pois, como mostram os exemplos, não dá garantias de apoio para uma eventual vitória nas urnas. O novo modelo obriga os partidos a darem respaldo igual a todos os seus postulantes.
É cedo para garantir o avanço da matéria com 184 votos – ainda insuficiente para aprovação – mas, com a assinatura dos líderes apensadas, a PEC deve progredir, o que é um passo atrás diante de tantas conquistas efetivadas até agora.