Palacete de Santa Mafalda tem história contada em documentos guardados em Matias Barbosa
Ronei Fabiano conserva, em sua residência, cerca de 8 mil documentos, inclusive os contam que a história do prédio restaurado que abriga a Escola Estadual Delfim Moreira
São cerca de 8 mil documentos dentro de uma residência. Uma infinidade de histórias, objetos e imagens que, vez ou outra, Ronei Fabiano Alves para, a fim de consultar, reavaliar e entender de que forma uma coisa se conecta a outra. Apesar de estarem em Matias Barbosa, sob sua guarda, esses itens raros e originais contam a história de toda a região da Zona da Mata, fazendo entender como foi que se deu a ocupação das cidades e, inclusive, os desentendimentos que envolviam os grandes nomes.
Dentre esses arquivos que estão na residência de Ronei, que os coleciona desde seus 12 anos de idade, estão vários da família do coronel Manuel do Vale Amado. Ronei tem parentesco com o coronel e acabou herdando os documentos. É a partir deles que ele traça uma árvore genealógica da família de Vale Amado e, com isso, explica como se deu a construção do Palacete de Santa Mafalda, cuja obra de restauração foi entregue na última semana. Há mais de dez anos ele estava interditado pela Defesa Civil e passava por obras desde 2019.
Manuel do Vale Amado era filho do chefe de Tiradentes. Ronei, inclusive, tem um documento com a assinatura do pai. “Mas a assinatura dele está muito apagada. É coisa de 1700 e lá vai fumaça, isso vai apagando com o tempo”, lamenta. Só com essa introdução, dá para perceber que se trata de gente influente e, sobretudo, de bens. Vale Amado, então, sabendo da vinda de Dom Pedro II a Juiz de Fora, então vila de Santo Antônio do Paraibuna, em 1861, decidiu construir uma casa para receber o Imperador e sua família. Mas, antes disso, Manuel do Vale Amado, de acordo com Ronei, tinha pretensão de que ali fosse abrigada também a prefeitura da cidade.
Para receber o Imperador
Existia uma disputa entre ele e Mariano Procópio: tanto na hospedagem da família real quanto no que diz respeito aos posicionamento de onde seria o Centro da cidade. Mariano Procópio gostaria que fosse perto de onde hoje está instalado o Museu Mariano Procópio. Manuel do Vale Amado gostaria que fosse onde era a Rua Direita (hoje, Avenida Rio Branco), em frente à Igreja Matriz de Santo Antônio, atual catedral. “Anos depois é que foi feita a prefeitura no Parque Halfeld. Eu digo que o Manuel do Vale Amado venceu: porque anos depois a prefeitura foi construída por ali, e não perto do Mariano Procópio”, brinca Ronei.
Fato é que Mariano Procópio venceu: Dom Pedro II se abrigou no castelinho, não no Palacete de Santa Mafalda. A vontade de Manuel do Vale Amado era que aquele imóvel fosse do governo e estivesse sempre disponível caso o Imperador voltasse, o que Dom Pedro II também não aceitou. Ele só esteve lá para uma cerimônia. Por trás dessa decisão existem histórias que justificam a escolha. Ronei conta que havia boatos de que Manuel do Vale Amado não era fiel à sua esposa, tendo, inclusive, filho fora do casamento, no caso Ângelo do Vale Amado. Isso pode ter sido usado para que Dom Pedro II optasse pela casa de Mariano. Na época ainda, o Imperador disse que só aceitaria o presente caso o palacete fosse transformado em escola ou hospital.
Seguindo as ordens do pai
Pouco tempo depois da recusa de Dom Pedro II, Manuel do Vale Amado adoeceu e veio a morrer. Em seu leito de morte, pediu a seu filho, José Maria de Cerqueira Vale, que não deixasse ninguém morar lá. José Maria, em 1876, tornou-se Barão de Santa Mafalda por Dom Pedro II, 15 anos depois de ter recusado a oferta de Manuel do Vale Amado. O nome faz referência a uma grande fazenda da família Vale Amado, inclusive em um terreno que um dia já foi de Tiradentes.
Barão de Santa Mafalda cumpriu as ordens de seu pai e, realmente, deixou o palacete parado. Tornou-se um casarão sem uso. Até que, em seu testamento, ele deixou o terreno para a Santa Casa de Misericórdia. Só depois é que o governo de Minas Gerais adquiriu o imóvel e o transformou em um grupo escolar, em 1907. Atualmente, o palacete se transformou em Escola Estadual Delfim Moreira.
Nos documentos e na cabeça
Tudo isso Ronei guarda em casa. É um museu dentro de sua própria residência. Ele enumera: “Tenho uma cômoda com o nome do Barão de Santa Mafalda”; “Tenho um documento assinado por Ângelo do Vale Amado desistindo de sua herança”; “Tenho um recibo do pintor Villaronga, que pintou o Museu Mariano Procópio, onde tem escrito: sala da imperatriz, quarto das princesas”; “Tenho uma lista das coisas que o Manuel do Vale Amado comprou para a obra do palacete”; “Tenho um papel do Barão de Bertioga que tem uma parte arrancada, porque Manuel do Vale Amado pediu dinheiro emprestado a ele para acabar a obra e, quando acabou, ele arrancou seu nome”. E assim vai.
Ele sabe ainda alguns detalhes: “Quando você olha para a sacada do meio, na frente, você vê um formato redondo na grade de ferro escrito MVA: Manoel do Vale Amado. E quem fez foi o pai do Barão. Ele fazia isso, era muito vaidoso, marcava seu nome”.
Com tanta informação, Ronei afirma que tem, sim, quem sabe, a ideia de fazer um museu, “um modesto museu”. Mas sem grandes pretensões. A ideia é guardar e preservar essa história. Além dos documentos, tem muita coisa que sabe de cabeça. E guarda também muito bem. “Você viu que eu tenho uma cabeça mais ou menos, né?”, brinca. “Eu sei de cor a árvore genealógica da minha família, da deles (do Vale Amado), e de mais um porção de gente.”