A polarização política e os vendedores de ódio
As rápidas transformações sociais pelas quais passamos desafiam nossa compreensão. Podemos mapear diferentes causas para as quebras de paradigma, mas uma delas chama atenção: a tecnologia que, pelo menos na última década, acentuou e agravou a sensação de caos e fragmentação.
Para alguns estudiosos, esse sentimento advém da rápida conversão dos sistemas de redes sociais (“social networking systems”), que serviam como facilitadoras da comunicação entre usuários, em plataformas de mídias sociais (“social media platforms”), por meio das quais as pessoas tentam se projetar na busca por influência e prestígio publicamente quantificáveis (a famosa pergunta: “quantos seguidores ele/ela tem?”). Essa disputa por cliques (e monetização de conteúdo) gerou uma consequência nefasta: dá mais seguidores gritar do que escutar. As relações humanas se empobreceram e os conteúdos on-line seguem um ciclo vicioso: quanto mais agressivo o material veiculado, maior o engajamento, que leva a mais agressividade. Não é de espantar que sejamos sempre incentivados a ver o pior do outro.
Recente estudo (Parker, Victoria A., et al. “The ties that blind: misperceptions of the opponent fringe and the miscalibration of political contempt”) propõe que a animosidade política pode estar baseada na superestimação da prevalência de pontos de vista extremos mantidos pelos adversários. Os autores encontraram evidências de que a ideologia radical é defendida por apenas uma minoria, mas a pessoa imagina que ela seja generalizada entre seus oponentes – justamente por causa das redes antissociais. Trata-se, portanto, de uma falsa polarização construída sob a batuta (lucrativa) das plataformas on-line. Tanto os progressistas quanto os conservadores relatam alta concordância com as questões moderadas de seu espectro político, mas baixa concordância com as questões extremadas associadas ao seu lado. Contudo, as pessoas tendem a superestimar a concordância dos oponentes políticos com pautas radicais, gerando antipatia cruzada, que por sua vez leva à falta de vontade de interagir com oponentes, impedindo oportunidades de corrigir percepções errôneas.
Outro problema é o autossilenciamento, que pode perpetuar equívocos, pois os moderados preferem se calar, deixando de expor suas visões com medo dos radicais. A consequência disso é que o outro lado vai ter reforçada a imagem de que seus adversários são todos extremados. O artigo chama atenção ainda para um fato importante: ao enxergar somente malevolência dos oponentes, suastáticas eleitorais são também vistas como maldosas, fazendo com que os partidários de ambos os lados aceitassem mais táticas injustas de seu próprio lado.
Vemos aí uma das origens do caos atual: sob influência de conteúdo caça-cliques da internet, toma-se a parte pelo todo, vendo a totalidade dos adversários como radicais, quando há uma maioria de moderados. Com medo e raiva do radicalismo do outro, aceitamos nosso radicalismo. E assim perdemos a capacidade de diálogo, de aceitar a divergência.
Há meios de sair desse impasse? Quero crer que sim. Mas, para tanto, teremos de reaprender o que há de mais antigo: ouvir o outro antes de julgá-lo, sempre se lembrando de desconfiar dos vendedores de ódio.