Existiu certa vez um homem que guardava para si suas opiniƵes. Era um homem raro para seu tempo, apesar do aspecto ordinƔrio: um homem de estatura mediana, que trabalhava numa empresa mediana e vivia uma vida mediana. Quando todos se alvoroƧavam para emitir julgamentos sobre qualquer assunto, ele preferia refletir silenciosamente sobre as coisas do mundo.
NĆ£o era um homem desprovido de opiniƵes: tinha-as, muitas. Mas era um homem sem pressa nem ambiĆ§Ć£o. Lia livros, conversava com pessoas, dirigia seu carro mediano, bebia licor e fumava cigarro de palha. Quando um assunto dominava a opiniĆ£o pĆŗblica, lia o parecer de especialistas, escutava o falatĆ³rio popular e, depois de pensar sobre aquilo, tecia sua prĆ³pria e particular opiniĆ£o. Uma opiniĆ£o invulgar e brilhante como uma pĆ©rola alaranjada. E guardava-a para si.
Assim, com o passar dos anos, foi acumulando um considerĆ”vel repertĆ³rio de opiniƵes privadas, todas muito bem acabadas e conservadas, de altĆssimo valor agregado. A fama do homem nĆ£o demorou a correr. De boca em boca, circulou a histĆ³ria do sujeito que guardava em si opiniƵes que ninguĆ©m nunca vira, opiniƵes singularĆssimas.
Vieram entĆ£o Ć porta da empresa mediana do homem as mais admiradas pessoas da atualidade, aquelas que tinham opiniĆ£o sobre toda e qualquer coisa sobre a face da terra. Queriam saber as joias que ele tanto guardava, para poderem opinar sobre elas tambĆ©m. Quando ele abriu a porta, todos se espantaram com a trivialidade de sua aparĆŖncia mediana. E pediram que ele exibisse ao menos uma de suas raras opiniƵes.
Surpreso com o assĆ©dio, mas impassĆvel, o homem se recusou. Em sua defesa, sereno, alegou que os juĆzos que engendrava diziam respeito a ele e a mais ninguĆ©m. Como nĆ£o dissesse mais nada, a turba de catedrĆ”ticos se atirou sobre o homem, abrindo-o de cima a baixo e retirando de dentro dele as mais variadas e luzidias opiniƵes. Espalharam-nas sob a marquise da empresa. Por horas, fuƧaram e teceram novas opiniƵes sobre as opiniƵes do homem, de modo tĆ£o profuso e histĆ©rico que em pouco tempo nĆ£o havia mais vestĆgio das opiniƵes originais.
Logo entediados, os catedrƔticos tomaram cada qual seu rumo. O que restou do homem foi recolhido no dia seguinte pelo mediano serviƧo municipal de limpeza urbana.
LEGENDA: “EscritĆ³rio de cidade pequena”, de Edward Hopper, 1953
CRĆDITO: The Met Museum