Nós autorizamos o assédio
Em fevereiro de 2016, o Atlético Mineiro expôs mulheres, em desfile sexista, para apresentar a linha de equipamentos da agremiação. Além das camisas, as modelos vestiam tão somente lingeries. À época, a mensagem reforçada pelo Atlético a respeito de como a instituição percebia as mulheres era clara; sobre como nós, homens, maioria em conselhos, diretorias, arquibancadas e crônica esportiva aprendemos a nos relacionar com elas. Como meros corpos sexualizados em mostruários ao nosso desejo. Pois quatro anos depois, no domingo (16), a mesma imagem foi irremediavelmente reforçada. Em meio à apresentação do elenco feminino à torcida, no Mineirão, diante de, aproximadamente 15 mil pessoas, a zagueira Vitória Calhau, 19 anos, foi assediada pelo mascote Galo Doido.
Ao ser apresentada, o mascote pediu à Calhau para dar uma “voltinha” a fim de exibir o seu corpo aos torcedores. Não bastasse o movimento, o mascote se direcionou à câmera da transmissão, esfregou as mãos e as levou à boca como quem com algo se delicia. Calhau estava ao lado do ídolo Diego Tardelli, também apresentado aos alvinegros. O mascote, contudo, não fez o mesmo pedido a Tardelli. Afinal, Tardelli é homem. Nunca passou nem passará por tal situação. Assim como os modelos homens que participaram da apresentação dos uniformes em 2016; ao contrários das mulheres, eles desfilaram vestidos com calções. Embora a conduta seja reincidente a pessoas envolvidas no dia a dia do Atlético, o sexismo é estrutural, sobretudo no futebol, certamente a modalidade esportiva mais conservadora.
Como resposta às críticas, o Atlético, em nota, apenas nessa segunda-feira, confirmou o afastamento do autor do assédio. “O Atlético lamenta e repudia o comportamento do funcionário, que foi sumariamente afastado. Pedimos desculpas à nossa atleta, às demais jogadoras e a todas as torcedoras e torcedores pelo lamentável ato.” O desagravo ao funcionário é fundamental, mas insuficiente. Além de ter sido referendado, enquanto homem, por sua posição social, para protagonizar, sem constrangimento algum, o episódio de assédio, o homem fantasiado de Galo Doido sentiu-se confortável pela estrutura hierárquica da instituição para fazê-lo. Como qualquer outro provavelmente sentiria, pois não há mulheres em posições de comando em clubes brasileiros, embora esta não seja a solução cabal.
Quando Bruno ordenou o assassinato de Eliza Samudio, a presidente do Flamengo era Patrícia Amorim, primeira mulher a ocupar tal cargo. A presença de mulheres em altas posições de hierarquia é insuficiente para desautorizar quaisquer condutas sexistas ou machistas, mas, ao menos, garante às mulheres em posições de submissão a segurança de denunciar assédios e a confiança em represálias sem desacreditá-las ou, então, culpá-las. É certo que voltaremos a presenciar novos episódios enquanto nós, homens, os autorizarmos diariamente por conveniência.