Mostra de Cinema de Tiradentes começa neste sábado
Com programação variada, intensa e gratuita, edição deste ano homenageia Camila e Antônio Pitanga
Cumprindo um de seus papéis tradicionais, a Mostra de Cinema de Tiradentes inaugura o calendário audiovisual brasileiro na charmosa cidade histórica, com uma programação diversa, gratuita e que privilegia o trabalho autoral. O evento, o maior do gênero do cinema brasileiro, vai de sexta-feira (24) a 1º de fevereiro, com a exibição de 113 filmes (31 longas, um média e 81 curtas-metragens), divididos em 53 sessões de cinema em mostras com temáticas específicas. Também serão realizadas 39 mesas de debates, diálogos audiovisuais e a série “Encontro com os filmes”, além de performances artísticas e musicais, oficinas e lançamentos de livros, ocupando espaços diversos do centro histórico de Tiradentes.
“Em 2020, celebramos 23 anos de existência, uma trajetória rica que testemunha a força e a diversidade do cinema brasileiro, e cada edição honra com o compromisso de valorizar, divulgar e apresentar ao público o que é produzido no Brasil, além de ser um lugar de inovação e criatividade, de formação e reflexão, de manifestação e intercâmbio da nossa cultura”, ressalta Raquel Hallak, diretora da Universo Produção e coordenadora geral da Mostra Tiradentes.
A abertura será realizada na sexta (24), às 21h, no Cine-Tenda, com os homenageados do ano, o ator Antônio Pitanga e a atriz Camila Pitanga, pai e filha. “É uma preciosidade poder comungar dessa celebração. É uma celebração da vida e da arte intercaladas completamente, minha e do meu pai, temos essa paixão em poder, pelo nosso trabalho, criar provocações, reflexões sobre nosso país. Acho que o cinema tem esse papel na vida de nós dois, não é um trabalho, é uma vocação… uma missão quase, sabe? Meu pai, então, nem se fala! Completou 80 anos agora em 2019 e tem mais da metade da vida dele dedicada ao cinema. São muitos filmes, muitos encontros, fazendo um cinema que quer se pensar, pensar o país… A minha participação é bem mais modesta, mas não menos intensa no tocante à minha própria vida. Então, poder celebrar vida e arte em Tiradentes, nessa mostra que tenho respeito, que pude conhecer quando trouxe (o filme dirigido por ela, sobre a vida do pai) ‘Pitanga’ (2017)… já me emociono só de pensar nessa noite”, diz Camila Pitanga. Além da cerimônia, a noite terá a exibição, em pré-estreia mundial, de “Os Escravos de Jó”, do cearense Rosemberg Cariry, que tem Antônio Pitanga no elenco.
Para Camila, a mostra de Tiradentes tem um papel essencial na difusão da produção audiovisual brasileira. “Se tem uma coisa que me comove na mostra é esse recorte que faz do cinema autoral, independente, que pode, sim, dialogar com o mainstream, mas que tem como prioridade a fomentação de novas narrativas, abrindo portas para novos cineastas e dando espaço para um cinema de reflexão que é necessário na cultura de todo país”, pondera a atriz, para quem o cinema tem uma função definitiva na formação de identidades individuais e coletivas. “Um povo que não sonha, que não expressa seus desejos, suas dúvidas, suas aspirações, é um povo fadado a ser manipulado, a ser guiado por outras pessoas. Acho que quando a gente vê um filme, a gente é transportado pra outras realidades, a gente sai do nosso lugar e cede para um outro tempo, uma outra realidade, então o cinema brasileiro é muito importante pra isso. A possibilidade de se abstrair um pouco da sua realidade faz você voltar à sua própria realidade com outras cores, com outros pontos de vista, dando chance a fazer novas escolhas ou fortalecer as suas. Daí a força do cinema e da cultura como fortalecedores das identidades, da nacional e a de cada pessoa.”
Dicotomia na produção nacional
Justamente por reconhecer a relevância da produção audiovisual e da cultura como um todo para a população, Camila Pitanga expressa preocupação com o desmonte que os órgãos e editais culturais vêm sofrendo. “Temos a Ancine (Agência Nacional do Cinema) praticamente engessada, um expediente de cultura totalmente engessado, uma política de desmobilização do cinema mesmo. Essa é uma questão urgente, que precisa de uma resposta da sociedade. O cinema não é feito para os artistas, mas para repercutir a sociedade, para a sociedade se ver, se pensar, se identificar ou se estranhar. Apesar de vermos aí a Petra (Costa) iluminada, indicada ao Oscar (por melhor documentário, por “Democracia em vertigem”), filmes que foram laureados em Cannes, como “A vida invisível”, vemos uma dicotomia ao mesmo tempo, porque “Marighella” está aí, sem poder ser lançado. É um momento muito estranho, porque temos uma produção plural, com qualidade reconhecida internacionalmente, mas que está desacelerando, na verdade, parando”, diz, preocupada, a artista.
Na noite de abertura, também será realizada performance audiovisual com a temática deste edição: “A imaginação como potência”, proposta pelo crítico Francis Vogner dos Reis, que assina a coordenação curatorial do evento. A ideia é uma tentativa de ser propositivo diante de um cenário incerto, olhar adiante e enxergar, na arte e na criação, alternativas possíveis para a produção. “A constatação é de que, mesmo numa época de dúvidas e de deslegitimação das instâncias oficiais, o cinema brasileiro vive um momento de absoluta efervescência criativa e de recepção. O que emerge na atual produção no país é o desejo de interpretar nossa experiência hoje, de projetar caminhos possíveis, de provocar imagens que nos remetam a uma perspectiva sobre o passado tendo em vista não só um olhar original sobre fraturas sociais e políticas, mas também uma superação destas num desejo de futuro”, destaca Francis.
Além da exibição gratuita dos filmes, entre curtas, médias e longas, em vários espaços de Tiradentes, a mostra reúne diversas manifestações da arte, como oficinas, debates, seminário, mostrinha de cinema para crianças, exposições, lançamento de livros, teatro de rua, shows musicais, performance audiovisual, cortejos e muitas outras. A programação completa pode ser conferida no site.