A dona do pedaço: a história da confeiteira juiz-forana Denise
À frente da fábrica Mamãe Eu Quero, Denise vende 120 bolos por dia em suas duas lojas, com o cuidado de praticar preços mais baixos e parcelar, para que outras mães possam comprar
Feito em casa, o bolo tinha granulado e recheio de brigadeiro. Eram tempos difíceis, e Denise Martins não teve dinheiro para comprar um bolo para que o filho comemorasse o aniversário na escola. “Fiz esse bolo de brigadeiro, e meu marido (Marcion) me perguntou: Porque você não faz para fora? Respondi que não, que era muita responsabilidade e que eu trabalhava. Mas fiquei pensando”, recorda-se a mulher de 46 anos, com 20 dedicados aos bolos e tortas que não costuma comer. “Só experimento. Nem bala eu chupo. Mas gosto muito de fazer”, diz com a touca ainda na cabeça, recém-saída da produção, para onde voltaria após a entrevista. O prazer da vida entre farinhas e açúcar, caldas e frutas, Denise descobriu ao oferecer bolos como o do filho para outras mães da escola e amigos do trabalho.
Nascida e criada no Bairro Santa Cruz, Denise nunca gostou de estudar. “Eu brincava na rua, soltava pipa, jogava bolinhas de gude. Nossa infância foi muito boa”, lembra a quarta dos cinco filhos de um serralheiro com uma bordadeira e doméstica. “Minha mãe bordava à noite e, durante o dia, trabalhava em casa de família”, conta ela, que só concluiu o ensino médio após empregar-se, aos 22 anos, como secretária e auxiliar numa clínica odontológica. Na época, Denise prestou vestibular para ser dentista, mas após ser reprovada desistiu da área, por receio de não ter a condição financeira necessária para comprar os equipamentos e os livros do curso. Mais tarde trabalhou numa locadora de vídeo e depois tornou-se empregada doméstica.
Vivia com o pai, recém-separado da mãe, que foi morar em Leopoldina, e o filho mais velho, Rafael, naquele momento, uma criança. “Passamos muito aperto, até necessidade mesmo”, emociona-se a mulher que aos 26 anos foi contratada como terceirizada na empresa de telecomunicações Brasil Center. “Eu era faxineira, limpava os banheiros femininos, em todos os quatro andares. Fiquei um tempo lá. Um dia, um diretor, dando oportunidade para a área da limpeza, perguntou se alguém tinha o ensino médio, alguma noção de informática e queria fazer o processo seletivo para trabalhar como operador de telemarketing”, recorda-se ela, que deixou de ser terceirizada e mudou de função. Foi às voltas com os telefonemas que Denise descobriu seu talento.
“Começaram a rolar as festinhas do colégio. Na Brasil Center, sempre tinha alguém querendo cantar parabéns para alguém. Ou, no domingo, cada um levava alguma coisa para comer. Assim comecei a fazer bolos. Fiquei três anos e meio fazendo assim”, narra ela, que ainda hoje preserva o sabor do primeiro bolo, de brigadeiro. “Tento atender todos os públicos, todas as classes, por isso meu cardápio tem vários preços. Como tive dificuldades para comprar um bolo para meu filho, quero ter um lugar que dê oportunidade para que possam pagar mais barato por um bolo de qualidade. Penso muito no cliente, se vai gostar e se está nas condições dele. Hoje alimento não se parcela, mas eu parcelo em até três vezes. Quero que todo mundo possa comprar. Não quero que outras mães passem o que passei.”
Doce insistência
Após um acordo trabalhista, com a rescisão, Denise investiu numa pequena loja no Bairro Progresso, onde passou a morar pouco tempo antes, no terreno da sogra. “Eu mesma pintei as paredes, coloquei um balcão bem antigo. Eu fazia os bolos na minha casa e descia com eles. Meu marido trabalhava como porteiro, à noite, e durante o dia ficava comigo. Às vezes, ele tirava dinheiro do salário dele para eu pagar aluguel. Eu falava com ele que não iria dar certo, que era para fechar. Teve um dia que vendi só R$ 8. Como pagar o aluguel, assim? Ele me incentivava a continuar. Fiquei três meses só naquele endereço e apareceu um espaço maior, para eu poder já produzir lá dentro mesmo”, recorda-se a confeiteira e empresária, para logo contar da inspiração para o nome da marca: “Eu imaginava as crianças passando e falando: ‘Mamãe, eu quero!’.” A torta de abacaxi com coco, conta, sempre foi recorde de vendas. Continua sendo, ao lado do bolo floresta negra e do de leite condensado com gotas de chocolate, o modelo mais barato. Há sete anos, Denise investiu numa loja maior, no Manoel Honório. “Meu marido é que me incentivou a descer. Eu sempre tive muito medo”, ri.
Doce de casa
Logo que começou a produzir seus bolos, Denise fez um curso com a confeiteira Sandra, do Bairro Eldorado, autora da receita da massa de seus bolos. “Costumo acrescentar algumas coisas, mas tudo é o mesmo desde o começo. Cursos, sempre faço, para me atualizar. Sempre tem novidades no mercado, e os clientes pedem”, pontua, dizendo ter mudado pouco os processos ao longo dos anos. “Meu trabalho é muito caseiro. As batedeiras são as mesmas de antes. Tenho algumas industriais, mas é um trabalho mais delicado, manual, como o de uma padaria. Aqui a gente não joga o chantilly de qualquer jeito. Tem todo um cuidado, um aparo para acertar os bolos para que o confeiteiro faça o trabalho. Temos panelas que mexem os recheios, mas o brigadeiro, por exemplo, a gente mexe na mão. Fica ali misturando 20, 25 minutos até dar ponto. E pelo fato de trabalharmos com produtos muito caseiros, não posso guardar, preciso fazer todos os dias”, ressalta ela, que diz fazer, apenas, doces. “Não me peça para fazer comida. Sobremesa pode pedir, mas pratos salgados, não”, conta, aos risos. “Até fazia arroz e feijão, mas sem muito gosto.”
Doce família
Rafael, de 28 anos, o filho mais velho de Denise, confeita e faz a massa, como a mãe, e cuida da parte fiscal da empresa. Rodrigo, 19, é o responsável pela loja da Avenida dos Andradas. Ainda compõem a empresa de 13 funcionários a nora, um sobrinho e o marido. A mãe, que há 15 anos retornou e hoje mora na casa que Denise construiu em cima da sua, ajuda cuidando do filho mais novo, Lucas, de 13, e do neto, Robert, 4, filho de Rafael. “Aqui é tudo em família”, afirma a empresária, que em 2018 abriu uma terceira loja, na Avenida Getúlio Vargas, resultado de um grande investimento e com um aluguel bastante alto. Em oito meses recuou e decidiu permanecer com apenas duas portas abertas. Denise estudou ciências contábeis, por três meses, mas acabou desistindo por não conseguir equilibrar a rotina como confeiteira e professora de culinária, ofício que exerceu por cinco anos. “Minhas turmas ficavam lotadas. Gosto de ensinar como se faz”, observa ela, que trabalha todos os dias das 7h30 às 20h e, quinzenalmente, aos domingos. “Tenho muita gratidão. Nunca imaginei conquistar esse sonho, nunca imaginei ter a casa que tenho hoje.” E com o que sonha mais? “Só penso em descansar depois dos 50, deixar para meus filhos, ajudando, mas não como hoje, com esse gás de levantar cedo e dormir tarde. Quero viajar”, responde a empresária, que pela primeira vez vai tirar férias coletivas para conseguir passar uma semana na praia.”