Os desajustados
“A história básica do jogador de futebol é de caras que vêm de lares desestruturados, socialmente mal constituídos. [Os jogadores] saem de casa precocemente, com 13, 14 anos, chegam ao clubes de futebol, e – é ruim falar isso – são tratados como coisas”, afirmou o técnico do Fluminense, Fernando Diniz, em entrevista ao programa “Bola da Vez”, da ESPN Brasil, exibido no sábado (13). Graduado em psicologia, Diniz fora questionado sobre como buscava entender as angústias dos jogadores com os quais diariamente lida. Negligenciada pela crônica esportiva, a saúde mental de atletas suscita questões caras ao futebol.
A capitalização da modalidade e, a tira colo, as irreais remunerações pagas aos jogadores nas últimas temporadas, não podem ser gargalos a discussões sobre as angústias da profissão. A dinâmica mercadológica da modalidade implicou em um processo de desumanização de atletas. Por clubes ou empresários, os atletas são reduzidos aos próprios direitos econômicos. Embora os privilegiados saibam como a banda toca, a maioria subsiste desde a infância em condições de extrema vulnerabilidade social. Destes, outros carregam a derradeira possibilidade de dar a pais, irmãos, tios e avós condições dignas de vida.
Transtornos mentais e dependências químicas são muitas vezes tratados de maneira jocosa; os sujeitos e suas angústias são abreviados em caricaturas vulgares. São chamados de desajustados simplesmente por lembrarem aos moralistas que são humanos. Em última instância, amadores. A profissionalização estaria assim dissociada do instinto. De Heleno de Freitas a Adriano; de Mané Garrincha a Jobson. São indisciplinados, incorrigíveis. Fadados à misericórdia. Contudo, de maneira fortuita ou não, os desajustados mobilizam tanto a simpatia quanto a sentença dos torcedores. São carismáticos, pois são falíveis.
Aos indisciplinados, o futebol não pode ser reduzido ao cumprimento de obrigações contratuais; a tribunais desportivos. Embora haja, atualmente, no Brasil, menor constrangimento ao abordar angústias relacionadas a transtornos mentais e dependências químicas, a comunidade futebolística necessita se furtar de eventuais processos de marginalização e, inclusive, criminalização, historicamente construídos e naturalizados. Os pecados de Diogo Vitor, Gonzalo Carneiro, Régis e Rodolfo são repetir as práticas de seus julgadores.