A nova crise do Petróleo

Por Fernanda Finotti Cordeiro Perobelli, professora de Finanças da Faculdade de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia da UFJF e coordenadora do Projeto de Extensão Conjuntura e Mercados Consultoria (CMC)

No dia 30 de junho de 2017, uma nova política de preços era instituída para a gasolina e o diesel no Brasil: flutuação sempre que os preços do mercado internacional fossem ajustados, numa banda de até 7% para cima e para baixo para cada reajuste. Sob a batuta de Pedro Parente, presidente da Petrobras, com o apoio da Fazenda, comandada por Henrique Meirelles, a intenção era sanear a combalida Petrobras, tornando-a mais ágil e imprevisível frente aos importadores que começaram a chegar ao mercado brasileiro em outubro de 2016. Desde então, o preço da gasolina já subiu 48% e o do diesel 55%. A atual política de preços é considerada o estopim da greve dos caminhoneiros que parou o país. Sem previsibilidade no valor do combustível, a Petrobras desnorteou não apenas importadores, mas todos os que dependem do insumo. Com o preço do diesel podendo subir diariamente, os caminhoneiros querem garantias mínimas de rentabilidade na atividade, como valor mínimo do frete e a volta da política de aumentos em intervalos definidos, como no modelo que vigorou entre outubro de 2016 e junho de 2017.

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A questão, entretanto, não é simples. Para entender de forma mais ampla algo tão complexo como o funcionamento de um sistema econômico, é preciso voltar um pouco no tempo. No mínimo até 2010, quando Lula deixava o Governo com crescimento de 7,5%. Dilma vencia o pleito com a promessa de continuar estimulando o crescimento. A Nova Matriz Econômica substituía o Triplé Neoliberal seguido à risca nos 16 anos anteriores, entre 1994 e 2010 – dois Governos Fernando Henrique e Lula: meta de inflação e de superávit primário (diferença entre receitas e despesas do setor público, exceto serviço da dívida), com respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, e câmbio flutuante.

No modelo desenvolvimentista de Dilma, preços administrados deveriam ser controlados (especialmente petróleo, que seria congelado enquanto os preços internacionais subiam, e energia elétrica, que deveria cair 20% na conta ao consumidor), a taxa de juros deveria ser baixa (Selic cai a 7,25% em 2013, mesmo com a inflação pressionando, para depois subir a 14,25% em 2016), era necessário proteger a indústria nacional (em especial a automotiva, que representa 4% do PIB e 20% da indústria nacional), desonerações tributárias eram necessárias (os benefícios fiscais atingiram o auge de 6,5% do PIB em 2015) e crédito subsidiado às empresas, em especial às campeãs nacionais, deveria ser estimulado (os desembolsos do BNDES atingem um recorde de R$ 190 bilhões em 2013).

Quatro anos depois, em 2015, o país vivia uma recessão de 8%, só superada no período pós Grande Depressão (1930-1931), quando o país encolheu 5%. A inflação saiu de 5% em 2010 para 10%, segundo IPCA. O lucro da Petrobras saiu de R$ 35 bilhões para um prejuízo de R$ 36 bilhões; o da Eletrobras de R$ 2 bilhões para um prejuízo de R$ 14 bilhões em 2015. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que vigorava desde 2000, foi abandonada em 2014 e o endividamento do Governo explodiu. A dívida do Setor Público, que representava 52% do PIB quando Dilma assumiu, chegou a 67% em 2015. O superavit primário saiu de 2,5% do PIB em 2010 para um deficit primário de 1% em 2015.

Mas o que deu errado no modelo desenvolvimentista de Dilma, que se propunha a amortecer os efeitos da crise dos Subprime iniciada em 2008? Como esse é um texto de Economia, vamos deixar a corrupção de fora. Não por se tratar de um mero detalhe, mas porque não teríamos tempo suficiente e nem expertise (um cientista político seria requerido) para discutir o assunto aqui. Em termos meramente econômicos, a equipe econômica daquele Governo não considerou a velha lei da oferta e da demanda. Em 2011, o mundo estava mergulhado em crise, a Europa e os EUA lutavam para sobreviver ao colapso pós Subprime e não havia mais espaço para ‘booms’ como o vivido pelas commodities no período 2003-2007. As exportações estavam fracas, e o mercado interno não tinha fôlego para absorver, de forma sustentável, o excesso de oferta. O estímulo ao consumo interno, sem as reformas estruturantes para aumentar a produtividade das empresas, teve o efeito de um anabolizante no sistema. O resultado foi endividamento das famílias, das empresas e do Governo. O desemprego, que havia caído a 4% no auge das medidas anticíclicas iniciadas em 2011, chegou a 8% em 2015 e atualmente está em 12%. Os investimentos das empresas registraram o pior nível em 20 anos em 2017 (15%), após 3 anos de quedas sucessivas. A alta modesta do PIB no ano passado (1%) foi obtida graças à Agricultura.

O que se vê hoje, nessa nova crise do petróleo, 100% nacional, ainda é efeito dessas medidas intervencionistas e da falta de políticas de incentivo à infraestrutura e redução do custo Brasil. O Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), anunciado pelo Governo Temer em setembro de 2016, ainda não saiu do papel para rodovias e ferrovias. O resultado é que 60% das cargas transportadas ainda rodam em estradas mal conservadas, aumentando o custo do transporte e onerando a economia. Importante lembrar que a falta de visão de longo prazo não é prerrogativa do atual Governo, infelizmente. Em 2003, na esteira do apagão elétrico, a ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef, estabelecia um novo marco no setor elétrico com participação ativa de termelétricas, energia poluente e cara. Como se vê, o Brasil tem uma longa tradição em adotar medidas de curto prazo em detrimento do planejamento de longo prazo.

O congelamento de preços por 60 dias e o fim da Cide e do PIS-Cofins sobre o diesel, anunciados pelo Governo para tentar reverter o quadro de paralisia em que o país mergulhou com a greve dos caminhoneiros, são apenas mais um exemplo delas. Medidas meramente paliativas, que devem representar uma perda de arrecadação de até R$ 9 bilhões, a ser suportada pelo Governo, para não voltar a prejudicar a Petrobras – afinal, se política energética é estratégica, não é prudente matar a galinha dos ovos de ouro. Esses valores vão piorar, a partir do ano que vem, o atual déficit primário, que já chega a quase 10% do PIB (R$ 159 bilhões). A reoneração da folha (uma reversão de uma das medidas anticíclicas adotadas por Dilma) pode dar algum alívio, mas só a partir do ano que vem. Criada em 2011, a desoneração previa que empresas de 56 setores poderiam deixar de recolher tributos referentes a 20% da folha de pagamento para recolher 1% do faturamento. Com a retomada da economia, muitas empresas deixaram de optar pela ‘benesse’, enfraquecendo a medida nesse momento. Dessa forma, a reoneração será menor que o previsto originalmente.

De fato, o custo dos combustíveis é elevado no Brasil. Em grande parte, entretanto, para suportar os irresponsáveis déficits fiscais de Estados (ICMS) e do Governo federal (PIS-COFINS). Cinquenta e seis por cento do preço do diesel e 34% do preço da gasolina vêm da refinaria. O resto é imposto (45% no caso da gasolina e 28% no do diesel). Fecham a conta custos (módicos) de produção/entrega. Pergunta-se: por que abolimos a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2014? A quem beneficiou um Estado tão caro? Como se vê, enquanto continuarmos votando seguindo (se tanto) Programas de Governo, vamos continuar adiando Políticas de Estado. Infelizmente, do legado do famoso economista John Maynard Keynes (1883-1946), que influenciou a recuperação econômica pós-Segunda Guerra Mundial, nossos governantes parecem só ter mentalizado a máxima de que ‘no longo prazo, todos estaremos mortos’. Com uma mentalidade assim, planejamento pode ser até prejudicial quando a meta é apenas se (re)eleger.

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