O que há de música no Corredor Cultural neste fim de semana
The Biggs (SP), Carlos Posada (RJ), Tatá Chama & As Inflamáveis, Nathan Itaborahy, Bloco Realce, Flora Brasilis e demais sonoridades: do ao vivo à discotecagem vinil das pickups
Para ocupar a cidade com arte, que seja em locais descentralizados e inusitados. O pátio de uma escola, um abrigo de idosos, os parques e as praças da periferia, um teatro desativado, até mesmo debaixo do palco vai ter apresentação. Vitorino Braga, Benfica, Santa Cândida, Sagrado Coração de Jesus, São Mateus e Centro. “Dê um rolê” é o lema do Corredor Cultural 2018, que acontece entre os dias 25, 26 e 27 em Juiz de Fora. Tem filme, teatro, performance, artes visuais mescladas ao que o inconsciente permitir chegar, há também palestras, pipas com pinturas em homenagem à Marielle Franco, “poéticas urbanas”, “(des)caminhos da loucura”, “o que será que o povo gosta?”. Gosta é de baile, cortejo na rua, batuque brasileiro e feira de arte e cultura. A cidade lúdica por um fim de semana (mas podia ser para sempre).
Colocando uma lupa nas atrações musicais, a sexta-feira começa ao meio-dia com Caetano Brasil e Grupo estreando “Cartografias”. Tem choro, que é o mote da pesquisa do clarinetista e saxofonista, mas vem mesclado a música folclórica, ritmos latinos e jazz. A já tradicional Roda de Sexta do Encontro de MCs está com roupagem especial para a edição do Corredor. A partir das 17h, tem batalha de rima, discotecagem em vinil e shows da Mc Xuxu e Os Mallone na Praça da Estação. O sábado amanhece com shows em frente ao Cine-Theatro Central. A partir das 11h, tem Batuquedelas, um grupo de mulheres percussionistas que estudam a música afro-brasileira, seguido de um encontro de violeiros conduzido por Fabrício Conde.
Tem celebração à cultura nordestina com música no campo do Bairro Floresta, cortejo nas ruas do Vale Verde, e uma segunda edição da desglamorização do rock’n’roll com “Rock pé no chão” acontecendo no pátio da Escola Normal, em formato de um festival de bandas e manobras de skate. No fim da tarde, as mulheres da Tatá Chama & As Inflamáveis mostram sua música mineira e percussiva a cinco vozes no Parque Halfeld. À noite, o músico Nathan Itaborahy recebe Carlos Posada, compositor que vive no Rio de Janeiro e pela primeira vez apresenta-se em Minas, no CCBM, em um palco falante, onde vão comentar sobre seus trabalhos ao público (e quem sabe fundi-los).
No domingo, acontece sessão instrumental na Praça Armando Toschi com Advar Medeiros e Flora Brasilis, a partir de meio-dia. Às 15h, no Vitorino Braga, tem “Da ponte pra cá” enaltecendo a cultura de DJs. Para homenagear a bossa-nova e o centenário de Geraldo Pereira, Sil Andrade e Driano Barbosa vão à casa de Joãozinho da Percussão e farão show — os três — em frente a seu portão azul.
Brasileiríssimo que cismam em chamar de sueco
Carlos Posada atende o telefone e tem sotaque pernambucano, isso eu já sacava pela sua música. Desde os 20 e poucos anos, vive no Rio de Janeiro, onde começou de fato sua carreira musical lançando seu primeiro trabalho: “Posada” (2013). Mas sua carteira de identidade é sueca, onde viveu somente os anos em que nossa memória humana nem se recorda tão bem. O seu “clã” é formado por Gabriel Barbosa na bateria, Gabriel Ventura e Hugo Noguchi (guitarrista e baixista da Ventre – que está dando uma pausa), mas em Juiz de Fora Posada vem com seu trabalho de voz e violão de nylon. Em 2017, lançou tanto “Isabel”, em formato solo, batizando o disco junto à filha mais nova, quanto “Posada e o Clã”, segundo disco homônimo à banda. Suas músicas nascem da poesia da vida, mas também da literatura escrita de Leminski, Cruz e Sousa, mas principalmente se interessa pelo o que nunca leu. “Eu estou muito ligado em formas de escrever músicas que sejam interessantes de serem reproduzidas. Eu quero fazer, agora, um disco sozinho com ruídos e sons eletrônicos. Coisas que não sejam somente uma canção bonita, traduzindo o sentimento que queremos passar, isso já é algo difícil, mas quero ir além. Independentemente da beleza, se é pesada ou feia, independentemente do formato de canção, eu penso em fazer música que as pessoas possam escutar e tocar centenas de vezes, e que aquilo gere alguma coisa boa. Sabe música triste, e que não dá solução? Eu não gosto. Não é nem melancolia, é bad vibe.”
Posada e Nathan Itaborahy se conheceram por trocas musicais na internet, as ideias se afinaram, o que levou à ideia do formato de show com dois cantautores e seus violões. “Você fica livre para falar”, disse Nathan ao Posada, que já adorou a liberdade e começa a ensaiar espontaneamente as boas falas enquanto conversamos. Fala sobre a vida lúdica de Recife e a vinda ao Rio, urbano, mas com alma viva e fonte inesgotável de letras que poetizam o samba e beats para o funk. Modestamente diz que está nervoso de vir a Minas por ser terra de violonistas de mão cheia, e se pergunta: “O que eu eu estou fazendo?”, brincando com a coragem do show solo. Enquanto o povo aqui só aguarda o sábado para sair do Spotify e vê-lo ao vivo.
“Conheci o trabalho do Posada no começo do ano. Me senti especialmente tocado por sua poesia: soa forte e delicado; contemporâneo e enraizado ao mesmo tempo. Nosso trabalho se liga pelo desejo de compor, de botar pra fora, e pela opção de viver de arte, de militar pela música, fazer as coisas de forma independente e com alegria, enfim, de movimentar a cena artística — cada um no seu território — como pode”, conta Nathan.
O Riot Grrrl dos anos 1990 se expande
O movimento Riot Grrrl parece estar no auge. Nos anos 1990, ferviam bandas de rock e punk femininas: As Mercenárias, Bulimia e The Biggs são algumas poucas de toda uma cena de resistência. Em 2018, o movimento continua e retrata um momento de evidência. Já não é nem mais levado a sério, hoje em dia, um festival somente com bandas masculinas, até porque sem fazer esforço as mulheres na música estão nos headlines. A terceira banda que mencionei (The Biggs) começou em 1996, em Sorocaba (SP), e há 10 anos esteve em Juiz de Fora na segunda edição do Mulheres no Volante. O trio está junto há tanto tempo (quase 20 anos na mesma formação) que o nome da banda virou sobrenome. Flavia Biggs é a vocalista, guitarrista e compõe junto a Mayra Biggs, que, além dos vocais, é baixista. O baterista é Brown Biggs.
“A nossa militância pavimentou esse caminho das mulheres na música. Dá orgulho saber que estamos em um bom momento para bandas femininas, e cada vez mais estamos tendo visibilidade. Bandas com integrantes mulheres sempre existiram, mas a gente percebe que a própria sociedade está querendo essa ampliação do espaço por consequência da nossa luta. A gente consegue fazer isso, questionando: ‘Esse festival está sem banda de mulheres, vamos quebrar esses modelos’. É muito gratificante perceber que tem dado efeito”, defende Flavia.
O Rock Pé no Chão II acontece neste sábado no pátio da Escola Normal. Flavia, professora de sociologia, faz show em um chão que é seu cotidiano. The Biggs é a última atração de um evento que começa às 14h com Obey!, Projeto Loco, Dsnort (Leopoldina) e RAW. O repertório do trio de Sorocaba The Biggs é de músicas do disco “The roll call” (2009), além das músicas mais recentes, ambas de 2015, “(Battle)fields” e “Breech delivery” que ganhou um videoclipe por Daniel Bruson em homenagem ao cartunista Angeli. The Biggs se articula muito além da cena musical, mas com o teatro e os movimentos sociais e feministas.
Flavia coordena, desde 2013, o Girls Rock Camp Brasil. “Um acampamento de férias com eventos musicais exclusivo para meninas, de 7 a 17 anos. A gente tem feito uma rede de mulheres muito forte. Recebemos mulheres voluntárias do Brasil inteiro, cerca de 85 todos os anos para somar ao projeto. E agora em julho acontece o Ladies Rock Camp que é para mulheres adultas acima de 21 anos que querem aprender a tocar e ter uma banda”. Para o Ladies, ainda há vagas abertas para as voluntárias no site.
Flavia destaca que a diferença entre as bandas de 20 anos trás para as de hoje é a percepção unânime de que não há outro caminho senão o da correria. Acabou o sonho de assinar com uma grande gravadora. “Com a democratização da informação, por meio da internet e plataformas como o Youtube, se você fizer um trabalho de divulgação benfeito, consegue ficar tão famoso quanto alguém que aparece na Globo. E esse é o caminho.” Muito além de influências de bandas gringas como Sonic Youth e Bikini Kill, sua arte é decorrente do movimento Riot Grrl e não apenas de grupos específicos.