Só 55 clientes geram energia própria em JF
Considerada energia do futuro, por ser limpa e sustentável, energia solar transformada em elétrica é pouco utilizada devido aos elevados custos de instalação. Setor critica falta de linhas de crédito no sistema financeiro
Com custos iniciais de R$ 9 mil para implantação (para uma residência com consumo médio de 128 quilowatts-hora (kWh) por mês) e promessa de economia nas contas de luz – encarecidas pela bandeira vermelha em vigor nos últimos dois meses -, a energia solar fotovoltaica tem despertado o interesse dos consumidores. A concretização do investimento, no entanto, ainda esbarra na falta de linhas de crédito específicas, capazes de acompanhar, em prazo e taxas, o tempo necessário para recuperação do investimento: entre sete e dez anos.
Em Juiz de Fora, cidade com mais de 560 mil habitantes, apenas 55 clientes geram parte da energia que consomem. O número representa 0,019% dos cerca de 280 mil consumidores da Cemig no município. Deste universo, 50 são residenciais, três comerciais e dois industriais. Em Minas, são 3.748 unidades consumidoras com perfil de micro (sistemas com potência menor que 75 kW) ou minigeração de energia (maior que 75 kW e menor que 5 MW), vinculados ao modelo de geração distribuída. O município representa, portanto, 1,46% do cenário mineiro. Os números foram fornecidos à Tribuna pela Cemig.
O cliente que investir na tecnologia não terá a conta zerada, pois sempre vai pagar o custo de disponibilidade de energia ou consumo mínimo (30kWh se monofásico, 50kWh se bifásico ou 100kWh se trifásico), além da taxa de iluminação pública, conforme explica a Cemig. Mas a economia existe sim. O magistrado aposentado José Maria Ferreira investiu pouco mais de R$ 60 mil na implementação do sistema, através da Arion Otimização em Energia, há cerca de dois meses. Ele viu a sua conta de energia cair de aproximadamente R$ 1 mil para algo em torno de R$ 100 por mês. Além da energia gerada para a própria residência, ele consegue compartilhá-la com o seu filho, que mora no mesmo bairro e que também conta com redução na fatura.
O investimento, considerado alto, será recuperado em cerca de quatro anos e meio. O juiz comenta que despertou a curiosidade para a tecnologia ao perceber o alcance da energia solar fotovoltaica na Europa. “Em minha casa, o consumo era relativamente alto e resolvi fazer o estudo. Achei o projeto interessante. Resolvi apostar e investir.” Na falta de subsídios e créditos especiais, ele decidiu fazer o investimento por conta própria. “Além da economia, valoriza muito o imóvel.” Para José Maria, falta uma posição política do Governo no sentido de disponibilizar linhas de crédito nos bancos públicos capazes de subsidiar – e incentivar – a tecnologia. “É uma energia limpa e fácil de ser instalada.”
Um dos primeiros consumidores a aderir à modalidade em Juiz de Fora foi o Santa Cruz Shopping, há cinco anos. Segundo o administrador do shopping, Luciano Sobrinho, o custo de implementação ficou em torno de R$ 68 mil, e o investimento foi recuperado em, aproximadamente, 20 meses. “Isso porque só fizemos aquisição dos equipamentos. Nossa equipe de manutenção fez a instalação. Eles já tinham alguma expertise, mas foram atrás de mais conhecimento para conseguir instalar tudo. Isso fez com que a implantação fosse ainda mais viável.”
Entre os benefícios, o administrador cita a economia para o condomínio, que chega a 40%. “Essa energia é direcionada para uma parte do shopping, com controle de relógio individual, pois aqui há vários medidores. Nesse relógio, tivemos uma economia de 40% em função da energia fotovoltaica.” Na avaliação do administrador, o investimento se pagou muito rápido e, por conta da durabilidade das placas, a redução já é sentida no bolso. Luciano cita, ainda, a importância do uso consciente dos recursos naturais e os ganhos ao meio ambiente ao se manter um sistema sustentável. Entre outras iniciativas desenvolvidas pelo shopping está sistema de captação de água da chuva, revertido para lavagem de pisos e descarga de sanitários.
Energia não consumida fica de crédito na Cemig
Segundo o coordenador do Laboratório Solar Fotovoltaico (LabSolar) da UFJF, André Augusto Ferreira, em tempos de tarifação elevada, especialmente quando a bandeira é vermelha, a energia alternativa torna-se ainda mais atrativa. O impacto nas contas, explica, varia de acordo com o dimensionamento e o investimento no sistema gerador, que deve ser precedido por uma análise de viabilidade econômica. Já os custos de instalação dependem diretamente do consumo do cliente, do porte da usina instalada e da radiação solar no local.
A tecnologia é basicamente composta por um sistema com painéis solares fotovoltaicos, conversor estático de potência (inversor solar) e medidor bidirecional de energia. A luz solar incidente sobre os painéis é diretamente convertida em eletricidade. No inversor, a corrente contínua é transformada em alternada para ser injetada na instalação elétrica do cliente. A energia excedente é contabilizada pelo medidor (em créditos não monetários) e pode ser usufruída posteriormente, quando o consumo for maior do que a geração, dentro de um prazo de 60 meses.
“O consumidor deixa de pagar à concessionária o que iria consumir dela”, explica o professor. Só o inversor, o elo entre a geração e a rede elétrica, pode custar 20% do investimento. A durabilidade do equipamento chega a 15 anos, mas pode ser estendida com manutenção preventiva a cada dez anos. O custo de manutenção dos painéis solares é estimado em 1% do investimento inicial por ano e consiste na realização de limpeza periódica com água e sabão neutro. A vida útil dos painéis varia entre 25 e 30 anos. Após a aprovação do projeto pela concessionária de energia, existe a troca do medidor tradicional pelo bidirecional, capaz de mensurar a energia enviada da residência para a rede elétrica.
Há demanda por qualificação para trabalhar no setor
O coordenador do LabSolar, André Augusto Ferreira, observa que há interesse por qualificação para trabalhar no setor. Até o ano passado, a UFJF oferecia um curso de extensão, gratuito, voltado à formação de mão de obra. No total, foram abertas quatro turmas, com mais de 600 inscritos. Segundo o professor, o curso está sendo reformulado e deve ser retomado em 2018. Quem procura o núcleo hoje, explica ele, tem a oportunidade de conhecer o laboratório, receber orientações técnicas e equacionar dúvidas. A equipe só cria projetos para fins científicos e tecnológicos. “Temos como princípio não concorrer com a mão de obra que estamos formando”, justifica. Além da economia no bolso, o professor destaca os ganhos ambientais da energia limpa, silenciosa e modular, que pode ser usada em sistemas isolados. “É um mercado em crescimento, não consolidado ainda.”
O responsável técnico pelo LabSolar, José Américo Valentim, comenta que, mesmo com as características climáticas de Juiz de Fora, consegue-se eficiência no sistema. “Mesmo em um dia nublado ou chuvoso e quente ainda há considerável produção de energia.” Valentim ressalta a importância da preocupação ambiental. “Há pessoas que não estão muito preocupadas com a análise rigorosa do retorno do investimento, mas querem contribuir”, avalia. Por conta da maior conscientização, da possibilidade de flexibilidade do gerador (permitindo aumento de potência) e da facilidade de instalação (sem interferir na estrutura hidráulica), a tecnologia tem despertado cada vez mais interesse, diz.
Para José Américo, a demanda em Juiz de Fora é crescente, mas a alternativa ainda é vista com reticência por quem não tem possibilidade de arcar com o custo inicial e esperar pelo retorno. “Algumas pessoas que vêm aqui ficam um pouco reticentes porque não estão acostumadas a investimentos de longo prazo. Para muitos, sete anos e meio é muito tempo.” A exigência de patrimônio elevado como garantia foi citada como empecilho, além da incidência de taxas de juros que elevam o payback (prazo de retorno) de sete anos, em média, para até nove anos, desestimulando o pequeno investidor. A geração de energia para consumo próprio não sofre incidência do ICMS. Uma orientação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) é que a cobrança do imposto seja aplicada sobre o valor líquido, ou seja, sobre o consumo além do gerado. “A incerteza sobre essa cobrança também afasta o pequeno investidor.”
Para Febraban, mercado deve se aprimorar
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), por meio de sua assessoria, afirma que o setor bancário brasileiro tem, entre suas prioridades, a meta de auxiliar no desenvolvimento sustentável do país, bem como o cumprimento dos compromissos ambientais e climáticos assumidos pelo Brasil, no plano nacional e internacionalmente. O acordo histórico assinado em 2015, em Paris, durante a COP21, indicou a urgência de aumentar a oferta de recursos financeiros para ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, em volumes que exigirão a criação de novos instrumentos de financiamento, e a participação de governos e do setor privado. “Nesse contexto, o setor lidera análises sobre a viabilidade de projetos de construção sustentável, além de estudos voltados à definição de modelos de negócio para ampliar o financiamento a projetos de eficiência energética e energia renovável.”
Para a Febraban, o potencial da tecnologia dos painéis solares fotovoltaicos ainda é pouco explorado no Brasil, que conta com 3.900 micro e minigeradores em um total de 77 milhões de possíveis unidades consumidoras. “Apesar do grande impulso no Brasil a partir das resoluções normativas da Aneel (482/2012 e 687/2015), há ainda enorme potencial de crescimento nesse setor.” Conforme a federação, existem atualmente no país cerca de 65 linhas de crédito voltadas ao financiamento de projetos de eficiência energética, algumas inclusive incentivadas, oferecidas tanto por bancos públicos como privados.
Falta padronização
“Os desafios do segmento não se concentram na falta de linhas de crédito, mas sim na necessidade de aprimoramento de alguns aspectos deste mercado para que os projetos sejam compatíveis com os requerimentos de financiamentos.” Entre os principais entraves para o financiamento de projetos, a Febraban cita a falta de padronização, a assimetria de informações quanto aos custos de implementação, receita, ganhos de eficiência e métricas de performance, a baixa capacitação técnica dos agentes e a falta de selos e rotulagem de equipamentos.
Início de uma nova era
O doutor em Economia Aplicada Paulo do Carmo Martins afirma que, após a mudança de paradigma tendo o petróleo como principal base da matriz energética mundial, é possível identificar o início de uma nova era. “Todo o desenvolvimento, nos últimos cem anos, foi baseado no petróleo, o que foi muito importante e positivo para o mundo, mas não dá mais para continuar com esse padrão.” O economista lembra que os combustíveis fósseis são altamente poluentes, além de os países produtores serem instáveis, política e economicamente. Os fatores, juntos, fazem com que a sociedade busque alternativas. “Avançamos pouco nas alternativas que poderíamos ter, como a agroenergia.” Na avaliação de Paulo do Carmo, o país poderia ser grande ofertador de energia através da cana-de-açúcar e da biomassa (gerada pelo capim), mas, na sua opinião, não houve competência para montar uma oferta contínua de álcool, tanto que o país importa o produto dos Estados Unidos. “Avançamos pouco em energia oriunda do sol, dos ventos ou do mar, porque investimos pouco em tecnologia.”
Na avaliação do economista, as perspectivas são boas para o crescimento da energia solar, cujo custo tem reduzido continuamente. “Nos lugares em que a tecnologia tem avançado, há algum tipo de subsídio por parte do Governo. Não só no consumo, mas, principalmente, nos equipamentos e nos juros de investimentos.” Paulo do Carmo avalia que, em tempos de economia recessiva, acionar termelétricas para dar conta da demanda é encarecer, ainda mais, o custo da energia, inibindo investimentos e prejudicando a esperada retomada de crescimento no país.
Setor exerce hoje papel complementar
Hoje, a geração de fontes renováveis são complementares à rede, não sendo capazes de substituí-la. Sem dados municipais, a Cemig calcula que, em Minas, a potência total instalada na modalidade de geração distribuída é de 36,12 MW. Para atender toda carga da companhia, seriam necessários 19.000 MW. Segundo a companhia, a demanda pela produção de energia própria tem crescido de “forma exponencial” em todo o país. “Os custos crescentes da energia versus os custos decrescentes da tecnologia têm contribuído para tal crescimento.” A orientação aos interessados é procurar uma empresa integradora que ofereça a solução. Detalhes podem ser obtidos no site www.cemig.com.br/pt-br/atendimento/corporativo/paginas/micro_minigeracao.aspx.
No país, o setor solar fotovoltaico deverá movimentar R$ 4,5 bilhões este ano. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar),é esperada a marca histórica de um gigawatt (GW) até o final de 2017, ante os 90 MW verificados em janeiro deste ano, um crescimento de mais de 11 vezes no período. Esta é a aposta do presidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia.
Na sua opinião, a tecnologia é estratégica para apoiar Governo federal, estados e municípios no cumprimento da meta brasileira de reduzir em 37% as emissões de gases de efeitos até 2025, com indicativo de chegar ao corte de 43% em 2030. “Ao gerar energia elétrica a partir do Sol, o Brasil evita emissões, diversifica a matriz elétrica, alivia os reservatórios hídricos (hoje em situação crítica), reduz custos e emissões com o uso das termelétricas a combustíveis fósseis e ainda impulsiona a geração de empregos locais de qualidade, atraindo investimentos privados e reaquecendo a economia nacional.”