“Nunca me reconheci como homem, mas como mulher”


Por BRUNO LUIS BARROS, ESTUDANTE DE JORNALISMO

28/10/2015 às 07h00- Atualizada 28/10/2015 às 08h53

“Quando se para de sonhar, você morre para a vida.” Essa frase, que não é de minha autoria, me fez refletir sobre a potencialidade dos sonhos. Eles nos tiram da reles condição de meros humanos. Sonhar nos alça ao status de guerreiros em meio ao apocalipse dos dias de hoje, no qual a razão agoniza e o preconceito se alastra como um vírus letal que mata a razão. A bela citação entre aspas na primeira linha é de Christiane do Couto Melo. Ela foi a primeira transexual de Juiz de Fora a ter sua identidade de gênero reconhecida em todos os seus documentos e, este ano, se destacou como a rainha da 13ª Parada do Orgulho LGBT. No entanto, a sua coroação em cima do trio elétrico foi mera formalidade, afinal, ela sempre “reinou” entre os seus. Buscando trilhar caminhos coloridos e distantes das terras onde habitam os dias iguais, vossa majestade sempre sorriu para a vida, e a vida sempre sorriu de volta.

Ao sonhar demasiadamente, ela desbravou com uma doce “fúria” o mundo ao seu redor. Logo, creio que o universo conspira a favor de quem o trata com amor; de quem se atreve a dizer não ao pessimismo e aos padrões/normas sociais de comportamento. Não é a toa que “Chris dos Brilhos” é o seu codinome. Católica e devota de Nossa Senhora das Graças, a rainha – que nunca teve súditos, mas amigos verdadeiros – nasceu em uma cidade do interior de Minas Gerais chamada Senador Cortes, na qual morou até os 32 anos. Pela sua forma de encarar a vida, conquistou todos à sua volta. Embora na juventude ela já demonstrasse sua feminilidade, o preconceito não bateu à porta. O que Chris sempre recebeu foram sorrisos e abraços de uma “gente fina, elegante e sincera”, como já dizia a letra da música “Tempos modernos”.

Atualmente, além do trabalho como catequista na Paróquia São José, na Avenida Sete de Setembro, ela é funcionária pública na Prefeitura de sua cidade natal e já respirou novos ares em Portugal, Amsterdã (Holanda), Verona, Roma e Padova (Itália). Em Lausanne (Suíça), se deixou encantar pelas belas paisagens e, então, resolveu fazer faculdade de paisagismo. Nessa oportunidade, também fez uma cirurgia de mudança de sexo em 7/08/2001. Por que fazer a cirurgia? Ela é enfática ao dizer: “Nunca me reconheci como homem, mas como mulher”. Após uma longa batalha judicial para alteração de nome e sexo em todos os documentos, Chris recebeu, em 31 de março de 2008, uma liminar favorável, solicitando que o cartório de sua cidade emitisse uma nova certidão de nascimento. Depois disso, ela finalmente conseguiu fazer a modificação. Em 2009, a organização do Miss Brasil Gay lhe entregou uma faixa com o título de primeira transexual de Juiz de Fora.

Mudando de assunto – oportunamente -, o ativista político norte-americano Martin Luther King fez história na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960. Entretanto, seria necessário outro artigo para falar, minimamente, da importância e do quilate moral desse grande homem. Logo, vou me restringir a citar um pequeno trecho de seu célebre discurso, intitulado “I have a dream”: “Tenho um sonho de que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo teor de seu caráter”. Vale dizer que a luta de King era, acima de tudo, contra o preconceito. Nesse sentido, embalado por um discurso libertário, eu também tenho um sonho: de que as pessoas não sejam julgadas pela sua orientação sexual e, principalmente, que eu tenha a sorte de conhecer muitas outras pessoas que, assim como Christiane do Couto Melo, possuam um brilho no olhar, no sorriso e na alma. Essa guerreira não titubeia ao dizer que não se arrepende de nada que tenha feito. Pelo contrário, ela ainda sonha com a mesma intensidade de uma menina que desbrava o mundo com uma sede incontrolável de novas descobertas.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.