Despedida


Por NATHÁLIA MENEGHINE Professora e psicóloga

28/10/2014 às 07h00

Carolina despediu-se cedo. Não. Engano-me. Ela não pôde se despedir, porque foi brutalmente assassinada (quatro tiros, dois no rosto, dois nas costas). Está lá na notícia no jornal*. No jornal, o enfoque é a criminalidade em Juiz de Fora, o aumento de assassinatos, a imensa maioria na periferia. Nas periferias, escorre sangue jovem. São todos muito jovens.

Carolina tinha 19 anos. Uma filha de 8 meses. Eu a conheci. Ela estudou por menos de seis meses na escola onde trabalho. Aqui, ela já chegou marcada pela violência, pela exclusão social, pela desestrutura das instituições. Em contrapartida, pouco marcada pela palavra.

Nesse curto tempo, fizemos tentativas de possibilitar novos caminhos para ela. Tentamos abrir picada na mata. Ela também tentou. Mesmo grávida, vinha à aula. Aceitou ser encaminhada para tratamento psicológico. Pedimos ajuda para ela. Relatórios e telefonemas para a Vara da Infância e Juventude, conversas com a mãe…

Eu sei. Estou vendo todos os dias. Há um extermínio de jovens da periferia de Juiz de Fora acontecendo. Está em andamento. Andamento acelerado. E eu poderia aqui discorrer muitas linhas sobre as questões de política pública, articulação de rede, eficiência das instituições, etc. Mas não é o que quero fazer aqui e agora.

Aqui, só quero me despedir de Carolina. Os jornais não mostraram seu rosto. Carolina era uma moça muito bonita. Apesar do peso da sua vida difícil, ainda trazia o frescor da juventude. Aquele brilho nos olhos que os adolescentes têm.

Para mim, Carolina não é estatística. Nem mais uma nem menos uma. Ela tinha um lugar aqui, existia para nós com sua singularidade, e sua palavra era importante, contava, era escutada.

Sinto muito sua perda, Carolina. Hoje chorei por você. Confesso que chorei por mim também. Não me lembro da última vez em que nos falamos ou nos olhamos aqui pelos corredores. Já faz mais de um ano. Mas, daí de onde você estiver, saiba que você foi muito querida aqui. Querida no rigor da palavra. Desejamos mesmo trabalhar com você, recebê-la aqui.

Apostava em reencontrá-la bem pela vida. Na vida. Viva. Que é como continuo apostando reencontrar todos os meninos e meninas que passam pelo meu caminho. Seja trazendo aridez, seja trazendo frescor.

Que agora você tenha a paz, a leveza, o aconchego, o amor. Que o lado daí seja com você mais generoso do que foi o lado de cá. E é desse lado de cá que seguimos. Trabalhando. Renovando as apostas, em encontros e despedidas.

Até.

*Reportagem da Tribuna, em 21/10/2014, página 6.

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