Política para poucos


Por MARTINIANO BORGES Cientista político

26/10/2014 às 07h00

Era junho de 2013. Em cada uma das grandes cidades do país, milhares de brasileiros caminhavam pelas ruas manifestando sua insatisfação e seu desejo por mudança. Espalhados pelo Brasil, mais de um milhão de pessoas empunhavam cartazes com as mais diversas reivindicações. Em suas bocas, o berro uníssono de indignação, que por tantos anos esperou sua vazão. A explosão de consciência política fez com que até o mais pessimista dos brasileiros imaginasse a possibilidade de um novo Brasil: livre, justo e civilizado.

Uma pena. Tudo aquilo não passava de um breve espasmo. Uma convulsão intensa e curta. Apenas uma grita desconexa. Espécie de piada de mau gosto que, por carecer de entendimento, sufoca o riso. No dia seguinte às manifestações, tudo voltaria ao normal no Brasil dos brasileiros que resistem ao seu próprio bem. O sentimento antirrepublicano permaneceria como a tônica do nosso projeto de nação.

Fala-se muito em política, mas o lixo continua sendo jogado na via pública; o motorista insiste em estacionar onde não é permitido; o cidadão escarra sua narina enquanto caminha pelo trajeto de todos; o outro se sente no direito de mijar ao pé de algum monumento, afinal, é público. O CD é pirata. O fiscal é pago por fora. Relações de suborno, laços de favor e dependência ainda funcionam como nossa cola social. A ética cotidiana em nada se altera.

Eis a dialética da práxis política brasileira que não permite o direito à síntese, acesso ao equilíbrio, à sua superação. Nossa preocupação política pende entre dois extremos de uma longa gangorra. Imagina-se: ou melhoramos o Brasil, todos juntos e de uma vez, ou ninguém fará nada. Um espera por todos enquanto todos esperam por um.

A política, cujo cerne se baseia apenas na expectativa da ação coletiva, que espera por manifestações de massa, pelas megaeleições ou por muitos cliques nas redes sociais, reflete sobretudo a própria fuga da política enquanto ética individual, enquanto compromisso pessoal com o cotidiano da vida em república.

Tão importante quanto a ação coletiva é a ação individual livre, justa e respeitosa perante o próximo cidadão. O coletivo existe para representar em escala aquilo que cada um vivencia de sua visão de mundo na prática.

Neste processo eleitoral, temos revelado a profundidade de nossa tendência à ilusão totalitária. Nossa esperança reside em projetos que nasçam no Estado e sejam capazes de submeter a sociedade. Buscamos um governo pedagogo que tenha força para mudar e moldar o outro às formas de ser o que idealizamos, mas que, por impossibilidade prática ou desonestidade intelectual, não vivemos em nosso contexto privado.

E agora? Qual dos dois candidatos fará melhor o papel de “salvador da pátria”? Dilma ou Aécio nos dará uma nova civilização? Nenhum deles! Por isso, votarei no candidato que mais demonstra apreço pelo pleno funcionamento das instituições a ponto de que cada indivíduo seja cada vez mais livre para construir a própria vida sem precisar temer a venezuelização do Brasil.

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