A ciranda da morte


Por WANDERSON CASTELAR Vereador (PT-JF)

25/09/2013 às 07h00- Atualizada 17/11/2017 às 17h29

Carlos Drummond escreveu um poema que dizia: João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém. Este jogo de palavras e nomes, que lembra a sonoridade de uma ciranda e nos remete aos desencontros peculiares das relações amorosas, me veio à mente ao analisar o fenômeno da violência urbana em Juiz de Fora. Entre janeiro e dezembro de 2012, 99 mortes violentas, número já superado em 2013, faltando mais de três meses para o final do ano. Importante: até 2011, nossa média anual, considerando o intervalo de uma década, era inferior a 40 registros.

Mas o que isto tem a ver com uma tradicional e remota brincadeira infantil? A principal característica dos crimes que abastecem as estatísticas e o noticiário local é a de que obedecem a uma lógica de vizinhança e circularidade. Fulano agrediu beltrano, que matou fulano, cujo amigo se vingou matando beltrano, que será vingado por cicrano, matando o amigo de fulano. É o que chamo de ciranda da morte. Singelo na forma, corrosivo na essência. Além de mutilar famílias, rompe laços de amizade, solidariedade e cooperação, que são as principais e melhores características da vida comunitária. Vítimas não são apenas aqueles que tombam mortos mas todos que vivem nos bairros pobres de nossa cidade, cenário de uma tragédia cotidiana.

Outro aspecto importante é a análise do perfil dos que morrem e matam. Segundo levantamento publicado pela Tribuna no último dia 14, 92% dos mortos em 2013 são homens; 78% foram alvejados por arma de fogo, sendo 65% com idade entre 14 e 30 anos, e 17%, entre 31 e 40 anos. Outro dado importante, embora baseado em inferências: a maioria possui baixa escolaridade e ocupação não definida. O mesmo perfil pode ser estendido aos suspeitos apontados pela polícia, reforçando a tese segundo a qual o fenômeno envolve basicamente jovens pobres, desempregados ou subempregados, com baixa escolaridade, moradores de comunidades vizinhas, usuários ou pequenos traficantes de drogas.

É também relevante constatar que o mapa da distribuição dos crimes no território indica o predomínio de três regiões: Norte (34), Sudeste (31) e Leste (17), que formam uma espécie de corredor da violência, responsável por 82% dos casos. Dentro deste corredor, é possível observar pontos de maior incidência, demonstrando que rixas, brigas e desentendimentos que resultam em morte têm também um caráter de enfrentamento entre comunidades. Semelhantes em vários aspectos, estes jovens encontram nos limites imprecisos da cidade uma bandeira que os diferencia e os opõe, uma justificativa simbólica para o ódio que alimenta a rede de mortes que se espraia na periferia.

A análise destes e de outros dados é necessária, porque se constitui na base para a elaboração de um plano de enfrentamento à violência, consistente e eficaz. Considerando as informações disponíveis, me arrisco a dizer: tal plano só terá êxito se articular um conjunto de ações desenvolvidas com o apoio e a participação da sociedade. Estas ações devem obedecer a três grandes eixos orientadores: o combate sem trégua à crescente epidemia do crack; a reformulação e o fortalecimento de toda a rede que envolve os serviços de assistência, saúde, educação, esporte e cultura; a ocupação policial pacífica das comunidades atingidas pela violência, com ênfase no policiamento comunitário. Consumado, será a grande obra que se espera da atual Administração. Diante dela, viadutos, pontes e avenidas são apenas acessórios, cujo sentido se perde se o essencial, que é a vida, não for protegido.

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