Vem nimim, auxílio-moradia
Lutando há anos para conseguir um reajuste que reponha o poder aquisitivo de seu subsídio, vez que o Governo sistematicamente ignora a ordem constitucional do artigo 37, X, a Magistratura Nacional optou por seguir um caminho movediço para atingir seu desiderato. Valendo-se de autorização inscrita na lei complementar 35, Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), instituiu o auxílio-moradia. O auxílio é uma ajuda de custo para atender às despesas de locação dos magistrados quando inexistir na comarca onde atuam residência oficial. O auxílio-moradia, como ajuda de custo que é, tem natureza jurídica de verba indenizatória, razão por que não sofre a incidência do percentual do imposto sobre a renda. A parcela indenizatória deve ressarcir um dano ou compensar um prejuízo sofrido por aquele que está sendo ressarcido. Só pode recebê-lo o magistrado que não for proprietário de imóvel na comarca onde trabalha e nela não existir residência oficial.
Pois bem: aqui em Minas Gerais, seguindo o exemplo de diversos outros estados, resolução do Órgão Especial do Tribunal de Justiça determinou o pagamento da parcela a todos os juízes da ativa, inclusive àqueles proprietários de imóveis no local em que trabalham. Os magistrados que possuem imóveis nas comarcas nas quais exercem sua jurisdição não têm dano a ser ressarcido e nem prejuízo a ser compensado. Pagar aluguel a si mesmo? Qual é a fundamentação jurídica, moral ou ética para isso? É assim que o Poder Judiciário pretende mostrar-se aos brasileiros? É subterfugindo que pensa resolver seus problemas de remuneração? É assim, arriscando-se a perder sua credibilidade? É assim, jogando na lama sua dignidade?
Penso que o auxílio, como mencionado na resolução publicada, não resiste a um segundo e mais prolongado olhar sobre a matéria, com a profundidade necessária ao reconhecimento da ausência ali dos princípios de legalidade, moralidade e razoabilidade. Sabedores da insatisfação que seria gerada pelos fatos, alguns juízes pediram aos colegas “muita calma nesta hora”, vaticinando que “daqui a dois dias todo mundo esquece”. Juízes precisando contar com o esquecimento de todos quando deveriam era lutar para que suas definições jurídicas nos processos fossem de tal monta que todo mundo sempre delas se lembrasse e nunca as esquecesse pelo que de justiça e obediência à legalidade contivessem. Outros juízes se entusiasmaram tanto que propuseram a “canonização” dos ministros Fux e Lewandowisk. Finalmente, um outro magistrado, embevecido pelos reais que irão engordar seu contracheque, permitiu-se proferir a infeliz frase: “Vem nimim, auxílio-moradia, tô doidinho pra te conhecer”. Para aonde caminha o Poder Judiciário?